Texto: Mayara Subtil
Gerar e analisar dados em campo que ajudem a mostrar a efetividade das unidades de conservação federais e desenhar estratégias de adaptação climática, manejo sustentável em comunidades locais e controle de espécies exóticas invasoras são alguns dos objetivos do Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade (Programa Monitora), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio/MMA), que completou 10 anos em 2024.
O programa tem apoio histórico do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, que participou das discussões de três painéis no evento 10 anos do Programa Monitora: passado, presente e futuro, realizado nos dias 06 e 07 de novembro, no auditório do ICMBio, em Brasília, para marcar a primeira década da gestão de dados sobre biodiversidade nas unidades de conservação federais. O evento contou com transmissão simultânea pelo canal do ICMBio no YouTube.
“O Programa Monitora começou como um projeto. O IPÊ entrou nesse início de implementação dos primeiros protocolos. Quando falamos de monitoramento, a princípio pode ser feito só por pesquisadores. Mas o IPÊ e o ICMBio tinham a intenção com a parceria, de engajar as populações locais para dentro do processo do monitoramento, não só para coletar os dados e sim para a discussão e aplicação dos resultados. Ou seja, com esse dado vai ser gerada uma informação de que de fato vai gerar uma tomada de decisão. Nosso trabalho é promover toda essa discussão, participação, engajamento das comunidades locais para que elass possam de fato se apropriar dos resultados e usar isso para o manejo local ou para gestão da unidade de conservação, por exemplo”, explicou Fabiana Prado, bióloga e coordenadora do LIRA/IPÊ – Legado Integrado da Região Amazônica.
Fabiana Prado, coordenadora do LIRA/IPÊ – Legado Integrado da Região Amazônica., em evento do Monitora.
Crédito da foto: Mayara Subtil
O IPÊ participou de três painéis. No primeiro, chamado A importância do uso dos dados do Monitora para a gestão local, Fabiana Prado destacou o encontro de saberes, uma tecnologia social desenvolvida no âmbito do projeto MPB – Monitoramento Participativo da Biodiversidade, do IPÊ – e que foi incorporado pelo Programa Monitora do ICMBio. “É uma discussão que todo mundo se apropria desse conhecimento, constrói esse conhecimento junto e a gente cria cada vez mais capacidade nas diversas instituições com os atores que estão participando do processo”, complementou Fabiana.
Na essência do projeto MPB estava a participação das comunidades locais no monitoramento e coleta de dados, bem como nos debates sobre protocolos, capacitação, análise digital e sistemas de gestão de dados. Para Fabiana, nos próximos anos é fundamental potencializar e refinar a coleta dos dados da biodiversidade a partir do que a tecnologia tem a oferecer nos dias atuais.
“Analisar os dados é algo demorado. Então, o ideal é usar a inteligência artificial e as plataformas atuais para analisar os dados de forma mais rápida. E apresentar isso, por exemplo, na COP da Biodiversidade, e também olhar para dentro do ICMBio. Para o gestor e comunidades locais que têm que decidir como vão usar essa informação para o manejo, para criar termos de compromissos e na bioeconomia”, reforçou Fabiana.
Já no segundo dia do evento, os pesquisadores Alexandre Uezu e Pedro Miguel Pedro apresentaram duas pesquisas desenvolvidas pelo IPÊ com potencial de serem incorporadas ao Monitora e que ajudam a mensurar o nível de conservação da biodiversidade no Brasil. No painel Bioacústica como ferramenta de monitoramento, Alexandre Uezu apresentou estudo de bioacústica realizado nas florestas da Mata Atlântica e áreas reflorestadas na região do Pontal do Paranapanema, no extremo Oeste de São Paulo.
No total, 63 áreas foram amostradas, 4 semanas foram dedicadas de trabalho em campo, 228 pontos com gravadores instalados e 690 mil minutos gravados, entre 2020 e 2021. Segundo Alexandre, é esperado que o projeto avance, principalmente, na criação de algoritmos de identificação de espécies para distintas regiões e biomas, além da tecnologia de monitoramento em tempo real ou de forma constante das espécies.
“O objetivo na Mata Atlântica é obtermos monitoramento em tempo real das espécies e integração também da metodologia de monitoramento, como por exemplo, coletar essas informações a partir de drone para acessarmos as áreas mais remotas. Ainda falta avançarmos na interferência de abundância, pois estamos falando ainda muito sobre presença e ausência dessas espécies”, complementou Uezu.
Alexandre Uezu durante apresentação da pesquisa Bioacústica como ferramenta de monitoramento
Acervo: LIRA/IPÊ
Já no painel DNA ambiental como estratégia no monitoramento da biodiversidade, o pesquisador Pedro Miguel Pedro detalhou o sequenciamento de DNA, técnica utilizada para identificar espécies por meio de amostras da água, do solo e do ar. Pedro apresentou o estudo feito para analisar o impacto do uso do fogo em queima prescrita, no Parque Nacional Chapada dos Guimarães/MT. A pesquisa desenvolvida pelo IPÊ começou em 2022 e usa biomarcadores para analisar a saúde do ambiente.
Pedro Pedro revela os bastidores da pesquisa sobre DNA ambiental como estratégia no monitoramento da biodiversidade
Acervo: LIRA/IPÊ
Segundo Pedro, a estratégia de amostragem desta pesquisa não é só rápida, como de baixo custo. “As análises foram feitas em um laboratório simples que cabe numa mochila. Desenvolvemos um protocolo que utiliza equipamentos e materiais simples e adaptados do nosso cotidiano, como por exemplo um secador de saladas e uma serra tico-tico. Nossa intenção é popularizar os estudos sobre DNA Ambiental para que qualquer organização ou instituição que tenham perguntas ou pesquisas possam fazer a um baixo custo.”, disse o pesquisador.
Ainda para Pedro Miguel, o importante a partir de agora é disponibilizar o poder da tecnologia do DNA para mais pessoas. “Um grande passo no futuro é você gerar as amostras, a partir da ciência cidadã”, concluiu.
Programa Monitora
Atuante em 115 unidades de conservação, o Programa Monitora utiliza-se de protocolos simples e de baixo custo para a coleta de dados, o que possibilita a participação das comunidades locais no processo de monitoramento da biodiversidade nos biomas brasileiros. Os trabalhos em campo começaram em 2014, com amostragens de espécies em 16 unidades de conservação nos dois primeiros anos.
Na abertura do evento de comemoração de 10 anos do Monitora, o presidente do ICMBio, Mauro Pires, enfatizou os próximos passos. “Temos o compromisso de buscar recursos para dar conta dos próximos 10 anos do programa. Veja a quantidade de alvos, de espécies. Acho que temos que ampliar o número e os processos. É importante também o monitoramento da biodiversidade, essa integração de dados, mas com mais recursos para ampliar o programa”.
Mauro Pires, presidente do ICMBio
Crédito da foto: Mayara Subtil
Já o presidente do Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Rodrigo Agostinho, destacou que o Brasil, como detentor de cerca de 20% de toda a biodiversidade do planeta, tem a obrigação de fazer o trabalho de monitoramento da biodiversidade, sobretudo com o atual cenário global de eventos climáticos cada vez mais extremos.
Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, na abertura do evento.
Crédito da foto: Mayara Subtil
“Temos ainda como a principal estratégia da biodiversidade a criação de áreas protegidas. No Brasil, 60% do nosso território ainda é coberto por algum tipo de vegetação nativa. Uma boa parte dos lugares mais importantes estão dentro de unidades de conservação, muitas são verdadeiras ilhas cercadas de atividades humanas por todos os lados: agricultura, cidade, pecuária. As mudanças climáticas vão nos atropelar de maneira brutal. Já estão nos atropelando. Esse ano, levamos uma surra dos incêndios florestais e temos o desafio de enfrentar isso, está na nossa mão”, disse.