A criação de um Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, com representatividade de 1/3 da sociedade civil é ponto-chave da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PNMIF) Lei 14.944/2024, sancionada em julho deste ano pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Em um país, onde brigadas voluntárias e comunitárias duplicam a capacidade dos órgãos federais em responder aos incêndios florestais, a formação desse Comitê tem o potencial, de fato, de integrar esses brigadistas à governança Interinstitucional relacionada à Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, que inclui as ações tanto de prevenção quanto de combate a incêndios. Essas pessoas que estão na linha de frente têm muito a contribuir com essa Política e isso será viabilizado por meio desse Comitê. Em muitos territórios, elas são as primeiras a chegar e a efetuar o primeiro combate”, destaca Angela Pellin, coordenadora de projetos do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas. Além da sociedade civil, o Comitê contará também com representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Por meio do Comitê será possível a articulação institucional, a proposição de normas para implementação da Política; o estabelecimento de diretrizes para a capacitação de profissionais e voluntários e orientações para a gestão de informações sobre incêndios florestais e Manejo Integrado do Fogo, propor instrumentos de análise de atividades do MIF e impactos dos incêndios florestais sobre a mudança no uso da terra, a conservação dos ecossistemas, a saúde pública, a flora, a fauna e a mudança do clima.
Angela Pellin, coordenadora de projetos do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, complementa que a sanção da PNMIF pode aumentar a visibilidade das iniciativas de voluntariado no MIF no país, permitindo o aumento de resultados positivos para a prevenção e o combate aos incêndios florestais e a implementação do Manejo Integrado do Fogo. “A Política Nacional do Manejo Integrado do Fogo conta com diversos instrumentos tais como os programas de brigadas florestais e os planos de manejo integrado do fogo, que devem contribuir para ampliar o reconhecimento e a participação de voluntários e comunitários em ações de Manejo Integrado do Fogo, em articulação com o poder público”, destaca.
Estratégia Federal de Voluntariado no Manejo Integrado do Fogo
Desde novembro de 2022, o IPÊ realiza o projeto Voluntariado no Manejo Integrado do Fogo. A iniciativa, coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, realizou diversos estudos, workshops, eventos nacionais e oficinas temáticas e regionais, na região do Baixo Tapajós, para debater a Estratégia Federal de Voluntariado no Manejo Integrado no Fogo. Durante os eventos, representantes de organizações que atuam com MIF em diferentes estados do Brasil, contribuíram com debates sobre o cenário, as oportunidades e os desafios do voluntariado no MIF nos mais diversos biomas do país, visando à construção e regulamentação da futura estratégia.
“O IPÊ acredita no voluntariado como estratégia de engajamento e participação da sociedade na conservação da biodiversidade e no enfrentamento aos desafios climáticos. Unir representantes do governo, da sociedade civil e voluntários para dialogar sobre o cenário atual do manejo integrado do fogo é essencial para reconhecer o impacto positivo e fortalecer essas iniciativas”, afirma Angela.
Um levantamento realizado pelo projeto Voluntariado no Manejo Integrado do Fogo, no primeiro semestre de 2023, identificou cerca de 200 brigadas voluntárias e comunitárias voltadas para a prevenção e o combate a incêndios florestais e outras atividades de conservação ambiental no Brasil.
Além das brigadas voluntárias e comunitárias, também foram identificados centenas de voluntários que atuam de forma individual ou coletiva em atividades ligadas ao manejo integrado do fogo, como prevenção e combate aos incêndios florestais, educação ambiental, pesquisa e monitoramento e recuperação de áreas degradas.
Ponto de atenção à Lei 14.944/2024
Apesar de possuir um capítulo inteiro dedicado ao programa de brigadas florestais, a Lei 14.944/2024 trata do tema voluntariado somente em dois parágrafos de um artigo. O advogado Gabriel Franco Chaskelmann, consultor do Projeto de Estruturação de Estratégia Federal de Voluntariado no Manejo Integrado do Fogo, explica que no capítulo sobre os programas de brigadas florestais a PNMIF se refere aos brigadistas em geral, principalmente em relação à contratação, sem muita ênfase no voluntariado, o que deve ser observado com cautela.
“A entrada em vigor do PNMIF é uma vitória na pauta ambiental e às brigadas florestais, que têm sua existência legal e competências reconhecidas expressamente, porém o voluntariado fica restrito aos parágrafos 2º e 3º do artigo 11, que determina que a atuação das brigadas voluntárias que atuem fora de áreas federais, deverão se cadastrar e ter sua autorização aprovada perante o Corpo de Bombeiros Militar da unidade da Federação em que atuarão, órgão que deve regulamentar seu credenciamento e atuação, requisitos de segurança, padronização de uniformes e a identificação de veículo”, afirma.
Em relação à atuação dos brigadistas voluntários dentro de unidades de conservação federais, terras indígenas, territórios quilombolas e outras áreas sob gestão federal, a Lei estabelece que tal regulamentação seguirá a normativa dos órgãos competentes por cada um desses territórios.
Gabriel destaca que este é um ponto de atenção às brigadas voluntárias e comunitárias, principalmente que não atuem em áreas federais, pois ao mesmo tempo que a PNMIF tem a finalidade de prevenir a ocorrência e reduzir os impactos e a intensidade de incêndios florestais no país, ela não padroniza o trabalho das brigadas voluntárias e comunitárias que atuam em todo o território nacional, transferindo esta competência aos órgãos competentes. “Assim, a busca pela padronização, formação e atuação das brigadas voluntárias e comunitárias fica sujeita à incidência de regulamentações distintas de acordo com entendimento de cada gestão de território, sendo que, quando se trata de competência Estadual, ressoa com potencial insegurança jurídica, visto que as brigadas voluntárias ficarão a cargo de normativas e interpretações pontuais e distintas, quando não, da inexistência de normativa reguladora”, ressalta o advogado.
“Assim, a urgência recai, primeiramente, na composição do Comitê Nacional do MIF, seguindo pela elaboração da Estratégia Federal do Voluntariado no Manejo Integrado do Fogo, em forma de resolução, no âmbito do Comitê, para contribuir com o direcionamento de normativas que regulem o tema, garantindo mais segurança, valorização, visibilidade, respeito e reconhecimento aos voluntários e comunitários, além de difundir o conhecimento, resguardar seus agentes, fomentar o voluntariado e ampliar o debate, pesquisa e conhecimento, que trarão benefícios para a conservação socioambiental e enfrentamento das mudanças climáticas”, destaca Gabriel.
Para Fernando Rodovalho, especialista em MIF do IPÊ, o movimento das brigadas voluntárias e comunitárias é de grande relevância socioambiental nesse atual contexto de enfrentamento às mudanças climáticas. “A gente vive em um país de dimensões continentais em que o poder público, por mais que possa estar bem estruturado, não vai conseguir dar uma resposta eficaz a todos os incidentes sem o apoio da sociedade. Por isso o papel da sociedade civil, integrada à atuação do poder público é tão importante. É uma força tarefa que maximiza esses esforços, traz mais eficiência e mostra que, além do poder público, a responsabilidade com o meio ambiente e com os territórios, também é de quem está nesses lugares e de toda a sociedade”, ressalta.
Alinhamento com a política nacional
Além da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, o projeto Voluntariado no Manejo Integrado do Fogo está alinhado com outras relevantes políticas, programas e instrumentos nacionais como: a Política Nacional do Meio Ambiente, o Código Florestal revisado, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), o Plano Nacional de Áreas Protegidas (PNAP) e a Lei 9.608/1998 que dispõe sobre o serviço voluntário.A Estratégia Federal de Voluntariado no Manejo Integrado do Fogo tem potencial de contribuição junto ao sistema de unidades de conservação (UCs) e seu entorno, terras indígenas e territórios quilombolas, além de elementos integradores de paisagem como reservas legais e áreas de preservação permanente, no âmbito das propriedades particulares.
O Projeto Voluntariado no Manejo Integrado do Fogo é executado pelo IPÊ, sob a coordenação do MMA, em parceria com a Coordenação de Manejo Integrado do Fogo (CMIF) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e com o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e financiado pela Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ).
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Foto de capa: Acervo Brigada 1