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Por Rafael Morais Chiaravalloti*
Agroecologia não é uma palavra complexa. Em uma definição livre, poderíamos dizer que se trata de uma prática agrícola que apresenta aspectos ecológicos. No entanto, como grande parte das palavras com definições simples dentro da biologia (como a própria palavra ecologia), a aplicação do seu conceito é bem mais complicada. A combinação de um conceito simples com uma aplicação complexa faz com que, muitas vezes, o sentido e o impacto positivo da agroecologia sejam desconhecidos de parte da população.
Para respondermos com mais segurança o que é agroecologia, é preciso entender como a natureza se constitui e como a agricultura tradicional interage com ela.
Hoje, existem na natureza aproximadamente 8,7 milhões de espécies. Cada representante de uma dessas espécies que existe no nosso planeta interage com a natureza e com membros da sua comunidade, criando uma complexa rede de interdependência. O ser humano, como membro desse conjunto de organismos que existem na Terra, também, por milhares de anos (cerca de 340 mil anos), teve que lutar pela sua sobrevivência, principalmente indo buscar o seu alimento nas florestas ou savanas. No entanto, há cerca de 10.000 anos, essa relação mudou. Comunidades espalhadas pelo mundo criaram a agricultura, controlando a disponibilidade e abundância de recursos naturais.
A agricultura foi fundamental para desenvolver a sociedade atual com pessoas fixadas a um lugar, com tempo para se dedicar a outras atividades, como investigações de curas de doenças ou mesmo respostas para padrões do universo. No entanto, a agricultura tradicional é basicamente uma simplificação da natureza.
Uma floresta que continha inúmeras espécies da flora ou uma savana que permitia a presença de centenas de animais, devido aos nichos ecológicos, são simplificadas quando transformadas em áreas agrícolas tradicionais, com o modelo predominante de monocultura extensiva. Estima-se que o ser humano, principalmente por meio da expansão agrícola, acelerou o processo de extinção natural em mais de 1.000 vezes. Dados têm mostrado que, se continuarmos as mesmas taxas de expansão sobre áreas naturais, outras 1 milhão de espécies correm o risco de serem extintas nos próximos anos.
O problema dessa grande extinção em massa é que sempre dependeremos da natureza para sobreviver. A simplificação causada pela agricultura reduz drasticamente a quantidade de serviços ecológicos, como polinização, água potável ou mesmo equilíbrio climático. Sem tais serviços ambientais, nossa sociedade fica fadada ao mesmo destino daquelas que nós mesmos eliminamos. Por exemplo, secas extremas, grandes furacões ou mesmo o aumento do nível do mar estão indiretamente ligados à expansão agrícola no mundo. Portanto, é fundamental encontrarmos um equilíbrio. E é aí que entra a agroecologia ou as práticas agrícolas que preservam parte da complexidade ecológica que seriam perdidas caso fosse utilizado um sistema tradicional.
A relação entre produção e preservação (ou agroecologia) pode ter diversos níveis, dependendo da escala. Podemos ter desde uma fazenda de 100 hectares até uma horta caseira como uma produção agroecológica. No entanto, o resultado ambiental de cada um será diferente, assim como a complexidade de implementar o sistema.
Um exemplo interessante vem do Pontal do Paranapanema, em São Paulo, onde o IPE (Instituto de Pesquisas Ecológicas), junto com assentados rurais, implementou o programa Café com Floresta. A idéia é que os produtores e produtoras rurais plantem café e outras culturas como feijão, milho e mandioca, em consórcio com árvores nativas da Mata Atlântica. A sombra criada pela floresta permite a produção de um café de altíssima qualidade em uma região que não seria apta a essa cultura caso fosse utilizado um sistema tradicional de monocultura. A utilização do feijão também ajuda na melhoria do sistema, pois ele fixa nitrogênio no solo e promove o melhor desenvolvimento tanto das outras culturas anuais como da floresta. Por fim, os galhos e folhas das árvores ajudam na produção de adubo. E nesse mesmo local, onde os assentados produzem grande parte da sua renda, a floresta permite a presença de diversos animais. Muitas dessas áreas de agroflorestas no Pontal do Paranapanema são habitadas por antas, tamanduás, ou mesmo, onças pintadas. Ou seja, é a produção agrícola alinhada à proteção da complexidade natureza.
Hoje, já é provado cientificamente que a agroecologia atrai uma maior quantidade de aves e outros animais. No entanto, não é uma tarefa fácil. Grandes sistemas agroflorestais exigem atenção, cuidado contínuo e manejo. A regra é sempre a mesma: quanto maior a complexidade da natureza presente, maior deve ser o tempo gasto com o manejo na produção.
Outro exemplo interessante é a produção de mel orgânico no Pantanal. Alguns estudos têm mostrado que grande parte do mel que consumimos no mundo está contaminada com agrotóxicos. Não que os produtores e produtoras utilizem defensivos nas colmeias, mas grande parte das flores utilizadas pelas abelhas está contaminada. E quanto mais agrotóxicos utilizados, menos biodiversidade. Para tentar driblar este problema, a ONG ECOA e as Comunidades tradicionais do Pantanal começaram a produzir mel em uma região altamente isolada de qualquer contato com defensivos agrícolas. Eles implementaram diversas caixas em uma região que fica a 24 horas de barco da cidade mais próxima, garantindo assim que as abelhas apenas acessem floras sem contaminantes. O mel já foi testado e aprovado por diversos institutos de pesquisa.
Ao mesmo tempo, não precisamos ter uma floresta dentro de casa ou nos mudarmos para o interior do Pantanal para aderirmos à agroecologia. Hortas urbanas dentro das casas ou em espaços públicos podem ser excelentes exemplos de agroecologia. Elas produzem alimento e ao mesmo tempo preservam a complexidade da natureza; ou por atrair pequenos pássaros, insetos, abelhas ou por evitar que o resíduo orgânico seja desperdiçado de maneira incorreta e acabe afetando a biodiversidade de maneira indireta. Claro, o resultado ambiental é menor do que o alcançado por uma agrofloresta no Pontal do Paranapanema ou uma produção de mel orgânico no Pantanal, mas o manejo, cuidado e o tempo gasto também são menores. Cabe a cada um adequar à sua realidade.
Vale lembrar também que a agroecologia transborda suas consequências para outras esferas do relacionamento humano para além da interação com a natureza. Ela propõe mudanças nas relações do ser humano com os seus pares e consigo mesmo. A invenção da agricultura que permitiu um grande desenvolvimento da espécie humana, ao mesmo tempo, levou a inúmeros desafios tanto ecológicos como sociais. A agroecologia, portanto, é uma maneira de repensarmos como promover a complexidade da natureza e uma melhor convivência. Os exemplos do Pontal do Paranapanema e do Pantanal alinham a agroecologia com a promoção da qualidade de vida de comunidades muitas vezes à margem da nossa sociedade. Nesse sentido, os programas também apoiam uma maior igualdade e bem-estar social dessas pessoas.
Podemos dizer assim que a agroecologia não é um caminho fácil. Como grande parte das ações que promovem um mundo um pouco melhor e mais justo, demanda tempo, cuidado, articulação de pessoas e instituições e, claro, investimento em recursos e novas técnicas. No entanto, o caminho já existe. E quanto mais pessoas passam por ele, mais ele fica claro e aparente para os próximos que virão. Cabe a cada um de nós repensar nossas atitudes e buscar maneiras de apoiar, cada vez mais, iniciativas de agroecologia.
*Rafael Morais Chiaravalloti é PhD em Antropologia, Desenvolvimento e Ambiente pela Universidade Colégio de Londres, e pesquisador do IPE-Instituto de Pesquisas Ecológicas, São Paulo e do Smithsonian Conservation Biology Institute, Washington.
“Texto originalmente publicado na Revista EOnline do Sesc São Paulo junto a uma série de vídeos que mostram iniciativas que se relacionam ao tema da agroecologia. Para saber mais, clique em https://www.sescsp.org.br/online/artigo/14862_O+QUE+E+AGROECOLOGIA
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