Com a mesa-redonda O fogo e seus impactos na conservação da biodiversidade no Brasil, a Casa IPÊ abriu espaço para o tema e reuniu – no segundo dia de COP (11 de novembro): Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Leonardo Gomes, diretor na SOS Pantanal, Tainan Kumaruara, indígena e brigadista voluntária da região do Baixo Tapajós, com mediação de Patrícia Medici, coordenadora da INCAB – Iniciativa Nacional para Conservação da Anta Brasileira, projeto do IPÊ, com atuação no Pantanal, Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia.
Ane compartilhou o resultado de seu doutorado que revelou que na Amazônia, algumas áreas que deveriam pegar fogo dentro do intervalo de 200 a 1.000 anos, já queimam entre 6 e 12 anos. “Esse resultado mostra que áreas de floresta já demonstram um nível de degradação muito alto”.
Tainan Kumaruara, indígena da região do Baixo Tapajós, trouxe as mudanças após a formação de brigadista. “Em 2016, ano de El Niño, tivemos um grande incêndio que não conseguimos controlar, não tínhamos formação, técnica, EPIs – Equipamentos de Proteção Individual. Vimos fogo de copa, algo que nunca tínhamos visto, o fogo tomou conta de tudo: das casas, casa de farinha, dos lugares sagrados”.
Leonado Gomes lembrou que em 2020 mais de 4 milhões de hectares queimaram no Pantanal, o maior incêndio da história do bioma. “Na época não tínhamos plano de ação, fomos ajudar e nunca mais voltei. No começo atuamos com recurso para apoiar os brigadistas, mas com o tempo buscamos outro caminho como forma de nos prepararmos para os momentos de seca e as formações dos brigadistas comunitários e voluntários vieram nessa direção”. Até o momento, são 29 brigadas (incluindo comunitárias e privadas) que fazem esse primeiro combate, elas são apoiadas com estruturação, atualizações e assistência o ano inteiro.
O diretor da SOS Pantanal também contou sobre os resultados práticos com articulação, estruturação e as formações. “Em 2024, por exemplo, tivemos um cenário muito mais desfavorável do que em 2020 que entrou para a história com o pior incêndio no bioma. Tudo levava a crer que, se não estivéssemos preparados, teríamos mais de 50%, 60% de área queimada em relação a 2020. Mas na verdade, o resultado foi 30% menor, muito por conta desse avanço”.
Manejo Integrado do Fogo
Os integrantes da mesa comentaram sobre a importância do avanço com a Lei do Manejo Integrado do Fogo e os desafios atuais. “Vivemos em um país gigantesco que interage com o fogo de maneiras diversas. Essa política veio sobretudo no sentido de organizar o combate, como vai funcionar, como as pessoas vão se articular”, explica Leonardo.
Ane trouxe o desafio do entendimento. “Quando falamos em MIF, as pessoas logo pensam em queima prescrita feita com a finalidade de manejo para reduzir quantidade de capim e evitar o fogo. No entanto, a queima prescrita é uma das ferramentas do MIF, mas o MIF é muito mais do que isso: ele trata sobre o que as pessoas precisam saber para que o fogo não vire uma arma e estabelece parâmetros, governança e articulações para combater o fogo, o que é fundamental”.
Já Tainan contou sobre a importância desse avanço e dos problemas de quando a Política vigente era a do “fogo zero”. “A Política do Fogo Zero tirava a autonomia das comunidades e promovia uma série de conflitos internos. Já o MIF valoriza os saberes tradicionais e incentiva a junção com os conhecimentos acadêmicos. No Baixo Tapajós, temos usado as ferramentas que o MIF traz para prevenção, combate e a restauração. Começamos a sentir as mudanças climáticas dentro do território de forma que a gente não pode mais praticar os nossos costumes, os nossos saberes da forma que era antes, estamos adaptando de forma a usar o fogo de forma controlada para não perdermos os nossos costumes”.
Expectativas com a COP 30
“Uma coisa interessante é que essa é a primeira COP onde a gente tem o tema do fogo chegando a uma instância um pouco mais alta na esfera de líderes. O Brasil liderou a Chamada para Ação do Manejo Integrado do Fogo Resiliência aos Incêndios Florestais com assinatura de mais de 50 países. É o primeiro passo, um pontapé para o engajamento internacional sobre o tema que não está dentro da negociação oficial. A gente precisa de fato de um mutirão sobre Manejo Integrado do Fogo, a gente precisa lidar com fogo de uma forma responsável e governada, precisamos estabelecer uma governança para o fogo no mundo. Os incêndios florestais são uma prova viva do que a gente pode passar a sofrer cada vez mais com as mudanças climáticas. Isso vem em um momento que o Brasil faz parte de um grupo seleto de países que tem uma lei que é a Lei do Manejo Integrado do Fogo sancionada ano passado depois da grande catástrofe que tivemos no Brasil quando grandes biomas queimaram. A liderança do Brasil nesse tema também fala muito e estamos muito felizes de ver o Brasil como protagonista desta chamada de ação”, Ane Alencar (IPAM)
“Agora a gente tem um arranjo legal de políticas públicas, de capital social das comunidades executando projetos há muito tempo, as organizações apoiando, a gente está pronto para levar o Pantanal para o exterior, Leonardo Gomes (SOS Pantanal).
“A gente espera que as pessoas que vão assinar os contratos tenham responsabilidade com esses acordos que serão feitos, que saiam do papel e que tenham compromisso com a vida. Que as pessoas que vão assiná-los consigam olhar que os povos tradicionais têm soluções para muita coisa relacionada ao clima”, Tainan Kumaruara (indígena do território Baixo Tapajós).