De 16 a 18 de agosto, Campo Grande (MS) recebeu o 1º Fórum Pontes Pantaneiras, um evento inédito que mobilizou mais de 530 participantes do poder público, iniciativa privada e terceiro setor com o tema “Conectando pessoas, cultura, biodiversidade e sustentabilidade”. A proposta do encontro foi trazer um olhar diverso para as belezas e desafios de conservação do Pantanal.
Ao longo dos três dias, os participantes puderam participar de discussões que falaram especialmente das perspectivas de futuro para o bioma, a partir do olhar de quem vive, pesquisa, trabalha e gera renda nessa região que é uma das mais ricas em biodiversidade no país. Uma das grandes preocupações ao longo dos debates foi o uso da terra, já que existem ameaças em curso, especialmente com relação à substituição da atividade pecuária pelo plantio de monocultura e outros usos que podem impactar os ciclos hidrológicos naturais na região.
O Pantanal possui cerca de 250 mil quilômetros quadrados que se divide entre o lado norte, no Mato Grosso (MT) e no Mato Grosso do Sul (MS), área inserida na bacia hidrográfica do alto Paraguai. Ali, estima-se que vivam cerca de 3 milhões de pessoas, com uma elevada diversidade cultural. A atividade econômica mais tradicional é a pecuária, que faz parte da região há mais de dois séculos e que hoje representa 65% da atividade econômica nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A pesca é a segunda maior atividade econômica do Pantanal.
“O Pantanal tem monoculturas naturais, como o carandá, que tem potencialidades de manejo. O fogo é também uma forma de manejo para manter o uso da vegetação nativa. Para fazer uma monocultura implementada, você precisa gastar muito dinheiro e muito agrotóxico”, afirma Geraldo Alves Damasceno Jr, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. O pesquisador afirma ainda que a monocultura tradicional seria também um prejuízo genético para a região. “Temos um patrimônio genético que tem informação para sobreviver a qualquer tipo de catástrofe. Quando substituímos esse patrimônio por um único tipo de cultura, perdemos tudo isso”.
As questões climáticas também foram pautas das conversas. A maior planície alagável do planeta tem seu ciclo hidrológico dependente, em parte, da Amazônia. Assim, o bioma e a cultura pantaneiras correm riscos não só com as modificações locais, mas com a degradação da maior floresta tropical do mundo. O mesmo acontece quando se trata da bacia do alto Paraguai, que influencia o ciclo hidrológico e todo um modo de vida pantaneiro.
“O Pantanal é uma experiência humana, cultural e da pecuária, que precisa ser reconhecida como sustentável. Essa experiência não pode ser perdida. Essa grita sobre o desmatamento, fogo descontrolado, e outras coisas não é à toa. Quem mais vai ser prejudicado, será primeiro o pantaneiro, e claro, todos os brasileiros”, diz Walfrido Tomas, da Embrapa Pantanal.
Identidade: Um bioma feito de diversidade de pessoas e culturas
(Foto: Baía das Pedras / INCAB)
A identidade Pantaneira é uma das premissas para se discutir os futuros da conservação do bioma. A proposta do evento foi exatamente a de trazer essa diversidade para a mesa e criar conexões entre elas, propor conversas que evoluam para a proteção do bioma com a participação social, como destaca Miriam Perilli, uma das coordenadoras do Pontes Pantaneiras.
“Como o próprio nome diz, quisemos propor um ambiente de troca, para que as pessoas pudessem conhecer as experiências umas das outras, poderem se conhecer e se conectar. O que tem saído dessas articulações, o pessoal saiu das conversas muito animado, querendo dar continuidade ao encontro. A partir disso, o ideal é dar continuidade a isso, pensando coisas novas para dar um futuro mais sustentável ao Pantanal”, afirma a pesquisadora do IPÊ.
Um exemplo dessa mistura que é o Pantanal foi a mesa “Identidade Pantaneira no mundo atual”, que contou com a participação de fazendeiro, representante de comunidade quilombola, comunidade de pescadores e indígena.
“Discutir identidade é reconhecer que existem pessoas no Pantanal, que vivem ali, que usam, cuidam e pertencem a essa região, e ajudam a conservar, passa a ter uma agenda muito mais participativa, de longo prazo e efetiva. Porque você passa a ajudar aqueles que estão conservando aquela área”, comenda Rafael Morais Chiaravalloti, professor da University College London e pesquisador do Pantanal pelo IPÊ.
Ao perceber essa identidade, é possível gerar uma participação mais efetiva. Ouvir quem vive ali é fundamental, não olhando apenas para as belezas, que encantam, mas mudando o que precisa ser modificado. É o que relata Leonilda (Eliana) Aires da Silva, da Renascer – Associação Artesãs Barra de São Lourenço. No debate, ela chama atenção para o comprometimento das pessoas com a proteção da região.
“Aqui no evento eu vi tanta fala, tanta resistência para melhoria. Mas será que todo mundo tá preparado pra sofrer para o tanto que o Pantanal precisa ser arrumado? Ninguém quer saber das feridas do Pantanal. Temos que cuidar daqueles que estão lá. Eu vivo no mato. É lá que eu nasci, que eu me sinto bem, que eu trabalho, então eu luto por ele. Me sinto como a onça, a capivara, os animais. Da mesma forma que ela morre, estamos morrendo. No fogo, perdemos crianças, eu me machuquei, outras pessoas passaram mal, nos deixou sem respirar, vivemos o horror de ver bichos mortos”, afirmou.
Sustentável mas com riscos
De acordo com o pesquisador Rafael Morais Chiaravalotti, embora o Pantanal seja um ecossistema bem conservado e sustentável, existem pequenas mudanças que, se olhadas individualmente, não demonstram o seu impacto. Porém, quando atuantes de maneira integrada, podem causar uma mudança significativa na vida do bioma em médio e longo prazos. É o que ele chama de “cupinização” do Pantanal, em que a parte de fora está preservada mas internamente há grandes alterações.
“Por exemplo a hidrovia do Pantanal, que está sendo feita em pequenos pedaços, criação de pequenas centrais hidrelétricas, desmatamento que está aumentando a erosão do solo, entre outras. Quando isso vai se somando, é muito impactante”, explica
Confira como foi o evento
A cerimônia de abertura contou com a presença da pesquisadora do IPÊ, Cristina Tófoli, uma das coordenadoras do evento, do diretor Executivo do IPÊ, Eduardo Ditt, de Walfrido Tomas, da Embrapa Pantanal, além de representantes governamentais, como o coordenador-geral de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Ronaldo Morato, o Governador do Estado do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, o Cônsul-Geral dos Estados Unidos em São Paulo, David Hodge, a representante da SEMA do Mato Grosso, Sanny Saggin, o representante do Ministério da Agricultura e Pecuária, e da Embrapa Pantanal, Suzana Salis.
Quem participou pôde conferir palestras, projeções audiovisuais, apresentações sobre pesquisas de fauna e flora, e sobre o modo de vida pantaneiro, além de ver o artesanato local e saborear produtos da gastronomia pantaneira. Projetos de conservação de espécies do IPÊ também participaram falando sobre suas atividades e resultados, é o caso da INCAB – Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira e Projeto Tatu-Canastra.
Leia mais sobre o evento. O encontro também teve transmissão pelo Youtube. Para assistir, clique aqui.
O Fórum Pontes Pantaneiras é uma realização de IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, Embrapa Pantanal, University College London, o Smithsonian Institution e o ICMBio/CENAP, e que tem o apoio da Embaixada e Consulados dos Estados Unidos no Brasil.