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Alunos e professor da ESCAS contam sobre atuação no Pantanal frente às queimadas, sem precedentes, que ainda atingem o bioma
Diante das notícias sobre as queimadas no Pantanal, que já ultrapassaram 25% do bioma, pode-se ter a percepção de que essa é a atual área impactada. Porém, quando pesquisadores analisam as áreas desmatadas e queimadas (até outubro de 2020), os danos já chegam a pelo menos 40% do Pantanal.
“As queimadas no Pantanal já ultrapassaram 28% do bioma. No entanto, o impacto não é só esse. Hoje estima-se que mais de 15% da região foi desmatada. Há pouca sobreposição entre essas áreas. E considerando esses dois impactos, os dados mostram que pelo menos 40% do Pantanal está comprometido. Isso não é permanente, o Pantanal apresenta uma grande capacidade de recuperação, que chamamos de resiliência. No entanto, como em 2020, vastas áreas foram queimadas, provavelmente, a resiliência será menor quando comparada aos outros anos”, pontua Rafael Chiaravalloti, egresso e hoje professor da ESCAS – Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, pesquisador do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, do Smithsonian Conservation Biology (Estados Unidos) e diretor científico da Ecoa – Ecologia e Ação.
Segundo ele, o bioma deve precisar de mais tempo para se recuperar. “É o mesmo que acontece se imaginarmos um bairro de casas, em que uma casa é destruída, os vizinhos podem ajudar a recuperá-la, mas se muitas casas forem destruídas, a recuperação levará muito mais tempo. No Pantanal o que temos hoje é o segundo cenário”.
*Segundo o INPE, o produto de Área Queimada de resolução espacial de 1km encontra-se na versão 0.6 e em fase de validação, em nível de maturidade Provisório.
O mapa acima – com as áreas desmatadas e queimadas – foi desenvolvido pelo projeto Paisagens Sustentáveis no Pantanal, uma parceria entre Smithsonian Conservation Biology Institute, Embrapa Pantanal e IPÊ. “Com esse mapa, feito pelo Henrique Shirai também mestre pela ESCAS, que integra a equipe do projeto, queremos entender o impacto das queimadas nessas paisagens sustentáveis. Ainda consideramos o Pantanal como um bioma que consegue aliar conservação com produção, mas ao mesmo tempo, as queimadas mostram que algumas medidas precisam ser repensadas. As queimadas não são o fim do Pantanal, mas, com certeza, são um alerta vermelho, especialmente quando analisamos os impactos integrados de mudanças climáticas, aumento do desmatamento da região do entorno do bioma e construção de hidrelétricas na região que certamente podem custar caro à proteção do Pantanal”.
O projeto Paisagens Sustentáveis no Pantanal começou neste ano com dois objetivos principais. “Entender o que são as paisagens sustentáveis no Pantanal e acelerar o processo de certificação das fazendas sustentáveis; somando esforços com a Embrapa Pantanal para expandir a certificação Fazenda Pantaneira Sustentável para todo o bioma. As certificações podem trazer principalmente benefícios econômicos para os proprietários, como facilidades de crédito e redução de imposto,” revela Chiaravalloti. Também integram a equipe, o pesquisador Dr. Walfrido Tomas da Embrapa Pantanal, Andre Restel Camilo, do Smithsonian, e Dr. Peter Leimgruber, também do Smithsonian.
Rafael pontua ainda que a aprovação da Lei do Pantanal, pode ajudar a reforçar a aliança entre conservação e produção, e poderia representar um avanço importante para a região. “O artigo 10 do Novo Código Florestal destaca o Pantanal como um ambiente peculiar que precisa de regularização específica. Com alinhamento entre proprietários rurais e conservacionistas, poderíamos celebrar com a Lei do Pantanal o que muitos fazendeiros têm feito há 150 anos. Alguns fazendeiros querem o mesmo que os conservacionistas – o desenvolvimento sustentável, e precisamos avançar rumo a esse objetivo”.
Sobre a seca no Pantanal, o professor da ESCAS destaca fatores que agravam a situação. “O cenário atual não é uma consequência exclusiva dos ciclos de seca, tem também as questões das PCHs – Pequenas Centrais Hidrelétricas que reduzem a dinâmica de inundação no bioma, além do desmatamento e do aquecimento global que tornam as perspectivas ainda mais complicadas. Os projetos de hidrovias também têm o potencial de reduzir essa dinâmica de inundação do Pantanal”.
Mudanças de rumo urgentes
Leonardo Gomes (foto), aluno do MBA em Gestão dos Negócios Socioambientais da ESCAS, diretor executivo do Onçafari, que tem dedicado parte do tempo ao trabalho de advocacy/gestão de projetos na SOS Pantanal, afirma que o atual cenário deixou evidente a necessidade de avanços.
“Neste ano todo mundo se convenceu que precisa de um plano urgente, pelo histórico do Pantanal de 120 anos de secas e cheias, temos pela frente, pelo menos, mais cinco anos de seca; isso independente de mudanças climáticas, de regime de chuva da Amazônia que também impactam. Até por isso minha migração do Onçafari para a SOS Pantanal que deve ser concluída até o fim do ano. Meu papel na SOS Pantanal será a questão de políticas públicas acompanhando a Lei do Pantanal e outros desdobramentos em Brasília, o advocacy. Além da questão envolvendo o poder público de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul para viabilizar o plano de prevenção para os próximos três anos e as parcerias institucionais; as instituições que vão entregar na ponta as brigadas, fazer essa estratégia acontecer”.
Após a migração para a SOS Pantanal, Leonardo passará a atuar como consultor. “Devo ficar na Onçafari com um projeto pontual mais associado ao tema do MBA sobre a formação de uma Rede de propriedades privadas de conservação”, antecipa. A Onçafari é uma organização que busca promover a conservação do meio ambiente e contribuir com o desenvolvimento socioeconômico das regiões em que está inserido. Já o SOS Pantanal é um instituto que trabalha em defesa do bioma e na divulgação da natureza e cultura pantaneira.
Professor e alunos da ESCAS participam de ações em campo
Rafael Chiaravalloti estava no Pantanal quando as queimadas ficaram mais intensas. “Fui para o Pantanal conversar com os fazendeiros dentro da esfera do projeto Paisagens Sustentáveis, mas diante das queimadas comecei a contribuir com o projeto coordenado pelo Walfrido Moraes Tomas, pesquisador da Embrapa Pantanal, sobre o impacto das queimadas na fauna.
“Andamos pelas áreas queimadas contando o número de animais mortos, mas não se trata de um Censo, com base no número de animais mortos conseguimos fazer uma modelagem matemática e estimar quantos animais morreram no Pantanal. Participei dessa contagem no norte e no sul da BR 262 nas regiões de Nabileque e do Abobral. E esse trabalho tem sido feito também em outras regiões do bioma, pessoas foram se juntando e fizeram o trabalho acontecer”, explica Chiaravalloti.
Quem também tem ido a campo é Gabriel Oliveira, aluno do mestrado da ESCAS em Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável, que após sete anos de estágio na Embrapa Pantanal, segue trabalhando com Walfrido Moraes Tomas. “Fizemos esse trabalho de contagem de animais mortos (carcaças), na região de Corumbá, na BR 262, na área da Estrada Parque para avaliar o impacto do fogo na fauna. Se víamos que estava pegando fogo, no dia seguinte tínhamos que estar lá, entrar nessas áreas e encontrar os animais porque a degradação deles é muito rápida. Eles acabam sendo predados, consumidos por outros animais ou ficam enterrados. Se para os animais de grande porte, esse incêndio já é de uma proporção absurda, imagina para os pequenos, como serpentes e pequenos mamíferos, dificilmente eles conseguem escapar do fogo”.
Sobre a experiência de caminhar em áreas destruídas, Rafael revela. “No horizonte, a área destruída pela queimada parece não ter fim. Aquela fumaça densa, bichos retorcidos, parece a imagem do fim do mundo, uma experiência além de triste, horrível. Mas esse trabalho é importante, algumas estimativas já indicam 11 milhões de bichos mortos, é muito!”
Queimadas no Pantanal não são uma novidade, a proporção sim. Segundo Leonardo Gomes, diretor-executivo da Onçafari, ano passado, por exemplo, as queimadas tiveram impacto direto nas atividades da instituição. “Em 2019, 65% do Refúgio Ecológico Caimã queimou, uma área de 35 mil hectares, onde está a maior parte da operação da organização. Para a Onçafari é uma tensão constante, tem toda uma questão de planejamento, açude, equipamento, brigada de incêndio – um dos biólogos do Onçafari é o líder da brigada, precisamos ficar atentos monitorando. Neste ano, chegou a pegar fogo em uma fazenda vizinha”.
Em 2020, pela SOS Pantanal, Leonardo também tem ido a campo. “Temos apoiado o combate direto, além de contenção de danos à fauna e às comunidades mais vulneráveis. Nas comunidades, as medidas são emergenciais e paliativas, como doações de cestas básicas, água, máscara, álcool gel”.
Brigadistas: uma força extremamente necessária
A importância da formação de brigadistas nas comunidades é uma das ações mais importantes a serem desenvolvidas, de acordo com os entrevistados. “A ECOA – Ecologia e Ação, por exemplo, trabalha nessa direção, o forte da instituição é o apoio na criação de brigadas locais comunitárias, um trabalho de base, de extensão, realizado no Mato Grosso do Sul e na fronteira do Mato Grosso. Em três anos, formou 56 brigadas comunitárias, mas precisa ganhar escala e estimular que outras instituições também sigam nessa direção. Afinal, são as comunidades que estão no dia a dia do Pantanal, essas formações funcionam como estratégia para conservação do bioma e proteção das pessoas; o que não exclui ações de outras esferas, em especial mecanismos que tenham o potencial de inibir que o fogo aconteça”, comenta Rafael.
Leonardo Gomes concorda e destaca os trabalhos de médio e longo prazos que também estão em curso pela SOS Pantanal. “A principal ação será a formação de brigadas rurais para prevenção e primeiro combate ao incêndio nos próximos ciclos – um projeto de três anos em que a gente quer contar com vários parceiros e com o poder público. A segunda ação é o plantio direto de 150 mil espécies nativas entre duas Unidades de Conservação (UCs) também atingidas pelos incêndios. Precisamos avançar nessa direção, até mesmo porque esse não é um tema muito debatido no Pantanal, tem essa história da resiliência da flora, mas precisamos acelerar esse processo e estudá-lo mais a fundo. Para essas ações, estamos entrando com convênio com a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Uma das UCs onde será realizado o plantio é o Parque Estadual das Nascentes do Taquari”.
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