Pesquisadoras da INCAB – Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira realizaram expedições à Caatinga por três anos consecutivos para a coleta de dados sobre a ocorrência da anta no bioma
Fotos: Raquel Alves
Durante 24 dias do mês de março de 2025, a equipe da INCAB – Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira, projeto do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, investigou diversas localidades da Caatinga em busca de relatos e vestígios da presença da anta brasileira. Em 2012, a espécie foi declarada extinta no bioma Caatinga com base em pouquíssimos dados existentes na época. Após a realização de três expedições de campo em três anos consecutivos (2023, 2024, 2025), sabe-se que a anta não está extinta na Caatinga. Foram descobertas populações da espécie em áreas de Caatinga no norte de Minas Gerais, oeste da Bahia e sul do Piauí. A descoberta é um grande feito para a conservação dessa espécie ameaçada de extinção.



Crédito da foto 1: Alexandra Tiso/INCAB/IPÊ. As demais são de Raquel Alves/INCAB/IPÊ
Este ano, a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas de Extinção do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) será reavaliada e os dados levantados pela INCAB-IPÊ na Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e Pantanal serão de extrema importância para determinar o status de conservação da espécie no Brasil e para retirar a anta da categoria ‘localmente extinta’ no bioma Caatinga. Além disso, também em 2025, será realizado o segundo ciclo do Plano de Ação Nacional (PAN) de Ungulados Ameaçados de Extinção, grupo que inclui a anta, porcos do mato e veados. As informações coletadas pela INCAB-IPÊ também serão utilizadas no estabelecimento das estratégias de conservação do PAN Ungulados.
“Uma extinção local, para qualquer espécie, é uma situação muito séria. Declínios populacionais e extinções locais apontam para o comprometimento do estado de conservação de uma dada espécie. Os dados coletados durante as nossas expedições em 2023, 2024 e 2025 trouxeram evidências robustas de que a anta não está extinta na Caatinga. Sabemos que devem ter ocorrido declínios populacionais importantes, mas tudo aponta para a anta nunca ter se extinguido de fato na região”, declara Patrícia Medici, coordenadora da INCAB-IPÊ.

Como tudo começou
A história da INCAB-IPÊ com a anta na Caatinga teve início em 2012. Este foi o momento em que um grupo de pesquisadores, incluindo membros da INCAB-IPÊ, foi convidado pelo ICMBio para avaliar o status de conservação dos ungulados brasileiros para a elaboração da Lista Vermelha Nacional. “Naquele momento, foi realizada uma avaliação nacional e outra por biomas. Os profissionais que estavam presentes, eu inclusa, listaram a anta como ‘Regionalmente Extinta’ na Caatinga, pois os poucos dados e informações que estavam disponíveis naquele momento apontavam para isso. Desde então, refletimos muito sobre essa tomada de decisão tão importante com base em tão poucas informações! Surgiu então o desejo de percorrer a Caatinga em busca de informações mais consistentes sobre o histórico da anta na região, seu passado, mas também o seu presente”, explica Patrícia Medici.
Em 2023 – 11 anos depois dessa avaliação da Lista Vermelha – a ideia saiu do papel e a equipe da INCAB-IPÊ realizou a primeira viagem pela Caatinga – a expedição Em Busca da Anta Perdida. Com recursos financeiros captados por meio de um crowdfunding, a equipe percorreu uma rota de cerca de 10 mil quilômetros em 31 dias, passando por diferentes regiões da Caatinga nos estados de Minas Gerais, Bahia e Piauí, incluindo todas as localidades onde houvesse quaisquer indícios da existência histórica ou atual do animal, tanto no centro quanto nas bordas do bioma. Essa expedição foi amplamente baseada em entrevistas com moradores locais, em grande parte idosos que tivessem a memória e os relatos de seus antepassados. O objetivo primordial dessa primeira expedição era resgatar a memória das pessoas sobre o animal no bioma. Esperava-se também coletar informações sobre a potencial presença atual da espécie na região.
Essa primeira expedição mostrou que a anta esteve presente no bioma no passado. Por meio de relatos obtidos de moradores locais mais antigos, foi possível retroceder até cerca de 400 anos. Esse animal vivia, inclusive, em regiões mais centrais da Caatinga, tais como a Chapada Diamantina na Bahia. Essas populações foram extirpadas por conta de perda de habitat, caça e diminuição da disponibilidade de água. Em 2023, também foi possível coletar alguns indícios iniciais sobre a potencial presença atual da espécie nas bordas do bioma, na interface com o Cerrado, mas a equipe voltou para casa ainda cheia de dúvidas.
As expedições seguintes
Em 2024, foi realizada a segunda expedição para investigar mais a fundo algumas áreas específicas. A equipe percorreu cerca de 6 mil quilômetros, durante 20 dias de campo, focando suas atividades na região oeste da Bahia e entorno do Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piauí. A presença atual da anta foi determinada através de sinais do animal detectados pela própria equipe e um vídeo proveniente de armadilha fotográfica. Essa foi, sem dúvida, a expedição que comprovou que a anta não está extinta na Caatinga!
Já a expedição de 2025, trouxe informações ainda mais consistentes sobre as populações atuais desse animal no norte de Minas Gerais, oeste da Bahia e sul do Piauí, bem como as principais ameaças sofridas. A equipe encontrou duas potenciais populações de antas na Bahia e duas no Piauí. Apesar da grande descoberta da anta no bioma, as ameaças à espécie ficaram evidentes em todas as expedições: caça, fogo e crise climática. A expedição deste ano demonstrou que antas encontradas na Caatinga são residentes e não animais que estão apenas de passagem pelo bioma. Com isso, o trabalho em prol da conservação das antas na Caatinga está apenas começando! Agora, com as informações coletadas, a equipe poderá se estabelecer no bioma para entender a situação da anta na região e o que pode ser feito em prol de sua conservação.