Trinta empresas apoiaram o IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas na restauração da Mata Atlântica, no período que apresenta as maiores concentrações de chuva, de outubro/22 a março/23. Esse é o maior número desde 2020, o que revela uma tendência de maior engajamento da iniciativa privada na esfera socioambiental. Afinal, plantios formam mais do que florestas, eles também protegem nascentes e cursos d’água e assim contribuem com o aumento da segurança hídrica, fomentam emprego e renda, uma vez que nos projetos do IPÊ as áreas são acompanhadas por no mínimo dois anos, para garantir o crescimento florestal.
Os plantios com mudas nativas da Mata Atlântica promovidos pelo Instituto são realizados em duas áreas estratégicas do estado de São Paulo. Uma delas é a região do Sistema Cantareira que é chave para o abastecimento de água de mais de 7 milhões de pessoas que vivem na capital paulista e na região metropolitana, assim como moradores da região produtora de água. A segunda é a região do Pontal do Paranapanema, no extremo Oeste do estado de São Paulo, em que parte significativa do apoio à restauração está relacionada à conservação do mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus), uma espécie endêmica do estado de São Paulo, que tem como principais desafios a perda de habitat e a fragmentação das áreas remanescentes.
Andrea Peçanha, coordenadora da Unidade de Negócios Sustentáveis do IPÊ, reforça que percebe uma guinada no posicionamento de empresas quanto à restauração florestal. “Com o aumento da temperatura média do planeta – já perceptível para a maioria das pessoas – está evidente que é preciso agir. A restauração florestal – a princípio mobiliza por conta da captação de carbono da atmosfera – o que tem o potencial de contribuir com a redução dos efeitos das mudanças climáticas, mas é muito mais, estamos falando também de segurança hídrica – com impacto no médio prazo, já que as mudas de árvores mesmo na fase de desenvolvimento já contribuem com o aumento da absorção da água da chuva pelo solo, e também com a biodiversidade, porque plantamos priorizando a conexão entre os fragmentos e assim a circulação desde sementes até de animais de grande porte”.
No Sistema Cantareira
De outubro de 2022 a março de 2023, o IPÊ plantou na região do Sistema Cantareira mais 130 mil mudas de árvores nativas da Mata Atlântica. Na última semana de março, o IPÊ celebrou a conclusão do primeiro ciclo de parceria com a empresa União Química com o plantio de 100 mil árvores nessa temporada, foi o maior aporte da iniciativa privada no Sistema Cantareira, no período. “Parcerias como essa são estratégicas e possibilitam o ganho de escala, afinal não faltam motivos para acelerarmos a restauração florestal. Na prática, com a União Química estamos falando de 50 hectares restaurados, o equivalente a 50 campos de futebol”, destaca Andrea Peçanha. Ao todo, desde 2011, o IPÊ plantou 540 mil mudas de árvores nativas da Mata Atlântica na região no Sistema Cantareira.
Plantio com colaboradores da União Química na região do Sistema Cantareira
O cenário atual mostra que é preciso aumentar a permeabilidade do solo com práticas de uso do solo mais sustentáveis, que vão desde aumento da área restaurada, sistemas produtivos sustentáveis até o manejo da pastagem ecológica. “Dessa forma é possível descompactar o solo, o que aumenta a infiltração da água da chuva. Assim com mais água armazenada no solo, teremos melhores condições de enfrentar o período de abril a setembro, mesmo quando chegarmos a esse período com volume abaixo do considerado seguro – como ocorreu em 2022 (volume de 45%)” destaca Alexandre Uezu, pesquisador do IPÊ e coordenador do projeto Semeando Água que atua na região.
Em 2023, o Sistema Cantareira, um dos maiores sistemas de abastecimento de água do mundo chegou ao fim da estação chuvosa (final de março) com 81% da capacidade. De dezembro de 2022 a março 2023, choveu 18% acima da média histórica, 154,5 mm a mais; na prática é como se tivéssemos tido um mês a mais de chuvas. O volume de água é positivo à primeira vista, mas esconde uma realidade que precisamos estar atentos.
“Vamos entrar na temporada seca na região – abril a setembro – com cerca de 80% da capacidade do Sistema Cantareira, por conta do aumento do volume de chuva. Mas isso se deve porque na maior parte do solo da região a água não encontra as condições ideais para infiltrar. Assim, ela chega mais rápido aos reservatórios. No entanto, isso não é sinônimo de resiliência e não garante água em médio e longo prazos. Se o solo estivesse conservado, com cobertura vegetal, conseguiria armazenar água da chuva no lugar ideal, que é o lençol freático, onde a água é liberada aos poucos. Dessa forma, conseguimos maior perenidade desses corpos hídricos ao longo do tempo”, explica Uezu.
É de fato contraditório, mas a região provedora de água para boa parte da capital paulista e região metropolitana de São Paulo contabiliza um déficit de 35 milhões de árvores que correspondem a uma área de 21 mil hectares (o equivalente a 21 mil campos de futebol) que precisam ser restaurados, considerando apenas as áreas próximas às nascentes e aos cursos d’água.
“Assim, mesmo em anos em que a chuva fique abaixo da média histórica – como já ocorreu entre 2013 e 2015, o Sistema terá maior resiliência para enfrentar o período com água em quantidade e com qualidade reduzindo as chances de novas crises hídricas”, explica o pesquisador.
No Pontal do Paranapanema
O projeto Corredores de Vida, do IPÊ, vem transformando a paisagem na região do Pontal do Paranapanema, no extremo Oeste Paulista. É desse projeto a formação do maior corredor já restaurado na Mata Atlântica com 12 km e 2,4 milhões de árvores nativas. Até 2022, o IPÊ plantou 6 milhões de árvores na região, são 3.000 hectares, o equivalente a 3.000 campos de futebol. Apenas no último período de chuvas (outubro de 2022 a março de 2023), foi concluído o plantio de 322 mil mudas em 161 hectares, o equivalente a 161 campos desse futebol. Em 22 anos, ao menos 45 empresas apoiaram/financiaram as ações do projeto que busca restabelecer a conectividade entre duas Unidades de Conservação (UCs): o Parque Estadual Morro do Diabo e a Estação Ecológica Mico-leão-preto, além de conectar essas UCS a fragmentos que estão dentro de propriedades privadas, seja de fazendeiros ou de assentados rurais. Mas há um longo caminho a ser percorrido, o déficit de áreas que precisam ser restauradas é de 250.000 hectares.
Equipe de campo durante restaurção florestal, no Pontal do Paranapanema
O tripé Clima, Comunidade e Biodiversidade orienta as ações do projeto que fortalecem a conservação de recursos hídricos, da fauna e da flora, e gera empregos, além de reduzir os efeitos das mudanças climáticas pela captação de carbono da atmosfera.
“De todos os apoios/financiamentos que recebemos até esse momento, em 22 anos, as empresas respondem por 50%. Nos últimos anos, notamos que apoiar projetos que oferecem soluções integradas beneficiando comunidades, restabelecendo floresta e contribuindo com a redução dos efeitos das mudanças climáticas têm o potencial de ganhar ainda mais escala”, comenta Laury Cullen, pesquisador do IPÊ e coordenador do projeto Corredores de Vida.