Se alguém dissesse que você é uma anta, provavelmente você iria se magoar. Mas não deveria. O dia 27 de abril é marcado pelo DIA MUNDIAL DA ANTA, e a anta-brasileira (Tapirus terrestris) é uma das espécies mais importantes do país e o maior mamífero terrestre da América do Sul. No mundo, há quatro espécies de anta: além da anta-brasileira, temos a anta-da-montanha (que vive nos Andes), a anta-centro-americana (encontrada na América Central) e a anta-asiática (Indonésia, Malásia, Mianmar e Tailândia).
O Brasil possui a maior especialista do mundo em antas! Patrícia Medici é engenheira florestal, mestre e doutora em conservação de vida selvagem, e se apaixonou pelo bicho há mais de 25 anos! Desde 1996, dedica a sua vida a estudar o seu comportamento e desenhar meios de conservar a anta brasileira em nosso país. O trabalho da Patrícia acontece no Pantanal, Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica. Em 2023, ela e a equipe da INCAB – Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira, um projeto do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, iniciaram pesquisa sobre os registros históricos das antas na Caatinga e encontraram em determinadas áreas evidências históricas e atuais. Ainda no primeiro semestre de 2023, a equipe publicará um documento sobre as descobertas da expedição.
Crédito da foto: João Marcos Rosa
O trabalho de Patrícia e sua equipe já rendeu a criação do maior banco de dados sobre a espécie no mundo. O impacto da pesquisa de longo prazo é tanto que reflete na conquista de nove prêmios internacionais recebidos ao longo dos anos, incluindo o mais recente deles, o Whitley Gold Award (2020), considerado o Oscar Verde da Conservação.
Patricia explica que, no Brasil, a anta vive diferentes realidades de acordo com os biomas. “Em boa parte do Pantanal e no norte da Amazônia a espécie está em uma melhor situação quando comparada às antas que vivem na Mata Atlântica e no Cerrado. Na Mata Atlântica, um recente estudo publicado pelo grupo de Patrícia mostrou que menos de 2% das populações de antas que vivem no bioma são viáveis no longo prazo. Já no Cerrado, as antas lidam com muitas rodovias e colisões constantes, caça ilegal e um risco elevado de contaminação por agrotóxicos, em função da expansão da agropecuária em larga escala”.
As antas têm baixo potencial reprodutivo, incluindo um ciclo reprodutivo bastante longo com o nascimento de um único filhote após uma gestação de 13-14 meses e intervalos entre nascimentos de até três anos. Dessa forma a perda de um animal tem um impacto significativo para a conservação da espécie a longo prazo.
Curiosidades sobre essa espécie incrível!
A fêmea da anta-brasileira pode chegar a pesar 300 kg, contar com até 2 metros de comprimento e 1,10 m de altura! Com todo esse tamanho, a anta que é herbívora/vegetariana ingere entre oito e nove quilos de alimento/dia incluindo folhas, ramos, brotos, caules, cascas de árvores, plantas aquáticas, além de frutos que correspondem a mais de 50% da dieta.
Crédito da foto: João Marcos Rosa
Jardineira das florestas e atleta: Por conta da ingestão desses frutos, em geral com grandes sementes, e por um trato digestivo capaz de otimizar a germinação, a anta é reconhecida pelos cientistas como jardineira da floresta, pela contribuição expressiva com o próprio ambiente em que vive. Ou seja, onde tem semente que passou pelo trato digestivo do animal, tem semente pronta para germinar!!!
Outra característica da espécie é o fato de percorrer longas distâncias. A anta vive em áreas de em média 800 hectares (cerca de 800 campos de futebol) e percorre entre 3 e 9 km/dia, levando sementes de uma área para outra. Uma floresta sem antas é uma floresta que corre grande perigo de extinção. Isso não é nenhum exagero!
Pesquisadores também consideram a anta uma “espécie sentinela”, capaz de nos alertar para os riscos presentes no ambiente onde outras espécies da fauna, animais domésticos e comunidades rurais vivem. Estudos científicos realizados a partir de amostras biológicas de anta, tais como sangue, tecido, entre outras, têm identificado elevados níveis de agrotóxicos no Cerrado do Mato Grosso do Sul.
A ciência ainda reconhece a anta como uma espécie guarda-chuva. Isso significa que uma vez que as áreas onde vivem sejam adequadamente conservadas, uma série de outras espécies também serão beneficiadas.
Trata-se também de um dos mais antigos habitantes do nosso planeta (fósseis encontrados na América do Sul datam de 2,5 a 1,5 milhão de anos atrás).
Espécie injustiçada: #antaÉelogio
Apesar de todo os serviços que esse animal realiza, no Brasil, ele ainda é visto por muitos como um ser de pouca inteligência. “No entanto, a ciência já mostrou por meio de estudos que a anta tem um número elevado de neurônios e é um animal de extrema importância para a sociobiodiversidade. Essa percepção errônea sobre a anta afasta o interesse das pessoas pela conservação de uma espécie que está na lista vermelha de ameaçadas de extinção como vulnerável, tanto na lista nacional (ICMBio/MMA – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) quanto na internacional (IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza). Afinal, com esta associação pejorativa, como as pessoas podem desenvolver um senso de orgulho por este animal?”, questiona Patricia Medici, coordenadora da INCAB-IPÊ.
A pesquisadora revela que a origem dessa falsa percepção (algo difundido apenas no Brasil) está no período colonial. “Quando os portugueses chegaram à costa do Brasil, conheceram a anta e pelo tamanho e porte do animal tentaram domesticá-la para o transporte de cargas. No entanto, como um animal selvagem, a espécie não se submeteu. Pelo fato de não conseguirem domesticá-la, passaram a relacioná-la a um animal de pouca inteligência, o que a ciência já mostrou que não é verdade”.
Para desmistificar essa ideia, desde 2015, a INCAB-IPÊ conta com a campanha permanente de disseminação da hashtag #antaÉelogio. O objetivo é transformar essa injustiça em reconhecimento pela importância da espécie para a sociobiodiversidade. Campanhas nas redes sociais, camisetas, ações nas áreas de pesquisa estão entre as iniciativas realizadas por pesquisadores do projeto na busca por esclarecer essa fake news! Em 2022, o público teve a oportunidade de conferir nas redes sociais da INCAB e do IPÊ, histórias reais acompanhadas por pesquisadores por mais de 10 anos na Fazenda Baía das Pedras, no Pantanal da Nhecolândia, no estado do Mato Grosso do Sul. A trama apresentou histórias incríveis dos animais que participam da pesquisa nesse cenário paradisíaco!
Dia da Anta: Por que 27 de abril?
Desde 2008, Anthony Long, um australiano apaixonado por antas, também vem somando esforços para transformar injustiça em reconhecimento. Como forma de contribuir com a conservação da espécie, Anthony articulou o estabelecimento de 27 de abril como o Dia Mundial da Anta. “Ao contrário dos elefantes, rinocerontes, leões, tigres e outros mamíferos de grande porte, as antas não aparecem na mente da maioria das pessoas. As pessoas não sabiam o que são as antas, esses animais não apareciam em filmes, livros infantis ou de qualquer outra maneira que outros animais – mais populares – apareciam”, contou Anthony Long, em entrevista ao IPÊ. No filme Encanto, vencedor do Oscar 2022 na categoria animação, a anta faz uma ponta. “A espécie aparece em poucas cenas, mas, sem dúvida, é um avanço”, destaca Patrícia Medici.
Anthony Long revela que a escolha foi cuidadosamente planejada. “Na época não havia nenhum evento significativo em nenhum lugar do mundo. O dia escolhido não entra em conflito com a Páscoa (cai depois da última data possível) e por ser em abril, há probabilidade de um clima melhor na maioria dos países para que eventos ao ar livre pudessem acontecer”.
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