A luta em defesa da floresta e do modo de vida tradicional é o que move os brigadistas da Associação Gap Ey, formada por indígenas da etnia Paiter Suruí, do estado de Rondônia. Desde 2020, homens e mulheres da Terra Indígena Sete de Setembro, no município de Cacoal, se organizam em iniciativas de prevenção e combate a incêndios florestais no território.
“Com os incêndios florestais significativos e perdas de toda plantação nas roças tradicionais Paiter em 2020, alguns incêndios criminosos feitos por madeireiros e o cenário político de abandono e descaso, nós, Paiter, começamos a pensar em soluções práticas para amenizar esses problemas”, afirma Luiz Weymilawa Suruí, representante da Associação Gap Ey.
Em 2021, após ganhar um edital de fomento à formação de brigadas voluntárias, a associação iniciou um projeto de educação ambiental, prevenção, monitoramento e controle de fogo no território Paiter. Além de contar com treinamentos do Corpo de Bombeiros, o projeto também levou em consideração o conhecimento ancestral da etnia para elaborar protocolos de manejo do fogo na comunidade.
Segundo a associação, o grupo de brigadistas apresenta uma paridade de gênero, sendo 20 homens e 20 mulheres, entre jovens, adultos e sabedores, como são chamados os idosos Paiter.
“A participação das mulheres se destacou tanto que atualmente temos uma demanda para formar uma brigada feminina. Para nós, essa iniciativa é uma forma de proteger e ao mesmo tempo incentivar a participação coletiva no cuidado com o nosso território. Por isso, além do monitoramento, o trabalho da brigada também envolve educação ambiental, para repassar esses ensinamentos sobre a proteção da floresta para as futuras gerações”, destaca Luiz.
A luta para manter a floresta em pé também é a principal motivação dos integrantes da brigada indígena Guardiões do Território Kumaruara, na região do Baixo Tapajós, no Pará. A ideia de formar a brigada surgiu em 2016, após um período de grandes incêndios florestais que deixaram rastros de destruição na localidade. Na época, o fogo devastou completamente a aldeia Muruary, uma das oito comunidades do território.
“A falta de técnicas e preparo para o combate a incêndio gerou muitas experiências arriscadas nas aldeias. Por isso, as mulheres indígenas da linhagem matriarcal do nosso povo tiveram a iniciativa de organizar e criar uma brigada para proteger o nosso território”, explica Tainan Kumaruara, uma das fundadoras da brigada Guardiões do Território Kumaruara.
“Somos um coletivo misto entre mulheres e homens de todas as faixas etárias, com formação realizada na aldeia Muruary, preparados para o combate ao fogo, mas com o objetivo maior de promover a educação ambiental por meio de formação nas escolas e nas aldeias. É um trabalho que demarca a ancestralidade do nosso povo e a resistência na luta pela proteção da floresta e do nosso modo de vida” ressalta Tainan.
O uso do fogo como instrumento de conservação ambiental
Um levantamento realizado pelo projeto Voluntariado no Manejo Integrado do Fogo, em 2023, identificou cerca de 200 brigadas voluntárias e comunitárias voltadas para a prevenção e combate de incêndios florestais e outras iniciativas de conservação no Brasil. Entre estas, aproximadamente 23% são de brigadas comunitárias indígenas.
No Mato Grosso, indígenas do povo Kuikuro e Kalapalo, da região do Alto Xingu, também compartilham iniciativas relacionadas ao manejo integrado do fogo. Desde 2017, moradores das aldeias Kaluani e Caramujo se articulam para assegurar seus direitos na reorientação do manejo do fogo em seus territórios.
Em 2022, o grupo de brigadistas formado por indígenas das duas etnias criou, em parceria com o Instituto Socioambiental, um Plano de Manejo Tradicional do Fogo. O plano funciona como uma ferramenta de diálogo entre os brigadistas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a comunidade indígena, a fim de ajudar a demonstrar quando e como realizar queimas seguras.
“Os povos do Xingu, de um modo geral, utilizam o fogo para muitas atividades que são importantes. O fogo em outros tempos, no passado, também ajudou a fazer as paisagens que existem no Xingu. Antes não era perigoso, mas agora está perigoso, pois o Território está sofrendo com os incêndios florestais, principalmente, depois de 2010. Mas, mesmo assim, é preciso utilizar o fogo. É preciso entender como usar ele, combinado com o tempo”, afirma Peiecu Kuikuro, liderança da Associação Indígena da Aldeia/Comunidade Kaluani.
Voluntariado no MIF
Iniciado em 2022, o projeto Voluntariado no Manejo Integrado do Fogo vem apoiando a construção da Estratégia Federal do Voluntariado no Manejo Integrado do Fogo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, com o envolvimento de instituições governamentais e não governamentais, incluindo representantes das brigadas voluntárias e comunitárias, que possuem interface com o tema. A iniciativa tem uma abrangência nacional, com potencial de contribuição junto ao sistema de unidades de conservação (UCs) e seu entorno, terras indígenas e territórios quilombolas, além de elementos integradores de paisagem como reservas legais e áreas de preservação permanente, no âmbito das propriedades particulares. É realizada pelo IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, em parceria com a Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), Coordenação de Manejo Integrado do Fogo (CMIF) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
__________________________
Foto de capa: Associação Gap Ey/Museu Paiter A Soe