Artigo de Angela Pellin publicado em O Eco
No Brasil, de acordo com o IBGE, cerca de 68% da população brasileira vivia nas cidades na década de 1980, número que cresceu para 85% em 2010. Esse crescimento das populações urbanas se dá, muitas vezes, sem que haja tempo para um adequado planejamento, refletindo na organização do espaço territorial, saturando e consumindo os recursos ambientais e resultando em consequências profundas para o meio ambiente e para a qualidade de vida das pessoas.
Áreas protegidas urbanas (ou unidades de conservação) podem trazer benefícios como: proteção de ecossistemas e biodiversidade associada; aumento da permeabilidade do solo, drenagem de águas pluviais e controle de enxurradas; proteção de cursos d’água, nascentes e produção de água; controle de erosão e movimentos de massa; controle da poluição hídrica, atmosférica e sonora; e regulação microclimática. Mas também trazem vantagens além das ambientais: melhoria na qualidade de vida e possibilidade de recreação em contato com a natureza para moradores do entorno e usuários; conservação de patrimônio histórico-cultural e sítios sagrados; valorização imobiliária do entorno; oportunidade de geração de renda para a comunidade local; provisão de espaço de interação social e diminuição do stress da vida urbana; proteção de belezas naturais e descontinuidade da malha urbana; e possibilidades de educação ambiental.
O Brasil conta com uma série de áreas protegidas urbanas. Talvez a mais conhecida delas seja a Floresta da Tijuca no Rio de Janeiro, uma área que já foi objeto de um projeto de restauração com o objetivo de resguardar os recursos hídricos da região, que estavam sendo afetados pelo desmatamento e plantações de café durante o governo imperial e que posteriormente, em 1967, passou a ser reconhecido como o Parque Nacional da Tijuca. Outra área bastante importante e também localizada na cidade do Rio de Janeiro é o Parque Estadual da Pedra Branca, considerado um dos maiores parques urbanos do mundo, com mais de 12.000 hectares de floresta protegida. A região metropolitana de São Paulo conta com uma área protegida urbana bastante expressiva, o Parque Estadual da Cantareira que compõe a Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Região Metropolitana de São Paulo e resguarda importantes mananciais de água.
Uma das motivações da criação dessas áreas protegidas foi o reconhecimento de que a pressão sobre a floresta impactava diretamente os recursos hídricos, comprometendo o abastecimento de água das cidades. Mas hoje, essas áreas assumiram diversas funções adicionais e são extremamente relevantes na cena urbana das metrópoles, fornecendo serviços ambientais importantes, e oferecendo à população a oportunidade de interação com a natureza por meio de atividades de educação ambiental, recreação ou simplesmente contemplação.
A conservação da biodiversidade nessas áreas é um objetivo e ao mesmo tempo um desafio. Imersas em uma matriz altamente antropizada, essas áreas tornam-se “ilhas” de floresta em meio às cidades. A consequência disso são fragmentos de vegetação não capazes de abrigar populações viáveis da maioria das espécies ali existentes, áreas cujas características do entorno praticamente impedem qualquer tipo de troca genética com populações de outros fragmentos. Com o passar do tempo, essas pequenas e isoladas populações estão sujeitas a gradativa redução e até a sua extinção.
Mas ao contrário do que se pode imaginar, muitas dessas áreas ainda podem abrigar uma biodiversidade bastante expressiva. Levantamentos realizados no Parque Estadual da Pedra Branca durante o seu plano de manejo apontaram a ocorrência de pelo menos 934 espécies de plantas, das quais 22 encontram-se sob algum grau de ameaça, cinco são endêmicas do Rio de Janeiro. Em relação à fauna foram registradas 338 espécies de aves, 20 delas com algum grau de ameaça. Tais números demonstram que essa área apresenta um papel importante para a conservação.
Apesar dos ganhos evidentes, áreas protegidas imersas nas cidades e sujeitas a toda sorte de problemas urbanos faz da sua gestão um desafio. Além da característica de “ilhas” de floresta, o que prejudica a manutenção da biodiversidade, há uma grande pressão sobre seus recursos naturais com evidências de caça, pesca, captura de animais para cativeiro e extração de outros recursos madeireiros ou não-madeireiros. O impacto da expansão da cidade sobre essas áreas, o estabelecimento de ocupações irregulares e infraestrutura urbana ineficiente, também são problemas sérios. Invasões para usos não permitidos, como turismo e práticas religiosos desordenadas precisam ser enfrentados.
A falta de diálogo e de sinergia entre as políticas públicas voltadas à conservação ambiental com aquelas de planejamento urbano é outro aspecto a ser superado. Para vencer esse obstáculo é fundamental que os gestores das UCs urbanas estejam preparados para desempenhar um papel de intermediação e articulação com as demais esferas de poder, instituições públicas e privadas, legisladores, entre outros, cuja atuação possa reverberar sobre as áreas protegidas urbanas.
Valorizar os benefícios que as áreas protegidas locais trazem para as cidades promove a reconciliação entre o desenvolvimento urbano e a conservação da biodiversidade.
Um dos maiores valores das áreas protegidas urbanas reside, justamente, no fato de estarem próximas a áreas densamente ocupadas. Isso lhes confere o papel de aproximar a sociedade da Natureza, especialmente se essas unidades estiverem preparadas para receber visitantes e proporcionarem uma experiência agradável e educativa. Elas, assim, também se tornam uma poderosa ferramenta na construção de grupos políticos que atuem em defesa da causa conservacionista. Por fim, cumprem uma função social de melhorar a equidade entre os cidadãos, de dar chance de contato com áreas naturais para a maior parte da sociedade, pois poucos têm condições de visitar nossos prístinos e remotos parques nacionais.
Fica a reflexão de que a missão dos gestores das nossas florestas urbanas é maior do que conter as pressões e ameaças sobre essas áreas. É ideal que eles busquem uma integração destas áreas com a sociedade, fornecendo oportunidades de recreação, contemplação, educação ambiental e, até mesmo, permitindo o contato direto, inclusive de práticas ligadas à religiosidade que valorizam a natureza e seus espaços sagrados. Se isso ocorrer, teremos uma sociedade mais próxima dessas áreas, que passará a vê-las como espaços importantes dentro do contexto urbano e defenderá a sua existência e, quem sabe, a de outras áreas naturais protegidas de nosso país.