O financiamento para ações de conservação da biodiversidade no mundo é um dos assuntos-chave da COP16, na Colômbia. Na conferência anterior, a COP15, em Montreal, os países firmaram compromissos relacionados ao tema, como: mobilizar pelo menos US$200 bilhões anuais de fontes públicas e privadas para financiamento relacionado à biodiversidade e aumentar os fluxos financeiros internacionais de países desenvolvidos para os países em desenvolvimento para pelo menos US$ 30 bilhões por ano, até 2030.
Mesmo com o acordo definido, o valor disponível de fato para execução de ações de regeneração, conservação e restauração de ecossistemas é ínfimo e caminha a passos muito lentos, tamanha urgência frente à perda de biodiversidade no mundo. De acordo com Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF Brasil, o Fundo Global de Biodiversidade (GBFF), aprovado na COP15 para consolidar esses investimentos, ainda não avançou em termos de volume de recursos.
“Pelo acordo, os países desenvolvidos deveriam sinalizar aportes financeiros, mas o que nós temos visto é que o volume de recursos ainda é muito incipiente, muito pouco. Por exemplo, de um total estipulado pela meta 19 de 20 bilhões de dólares até o ano de 2025, a gente tem disponível em caixa apenas 200 milhões de dólares. É um valor ínfimo para que o processo de implementação (das ações para cumprimento das metas) aconteça de fato como é necessário”.
Enquanto na COP15 a mobilização de recursos ficou estimada em torno dos 200 bilhões anuais até 2030, uma pesquisa da TNC (The Nature Conservancy), Paulson Institute e o Cornell Atkinson Center for Sustainability da Universidade de Cornell de 2020, afirma que, para proteger e restaurar a natureza, seriam necessários entre 722 e 967 bilhões de dólares anuais. Ou seja, o valor aprovado pelos países, que está longe de ser cumprido, é cerca de quatro vezes menor do que a necessidade real do planeta, para conter a aceleração da perda de biodiversidade e os prejuízos que tudo isso implica, inclusive à vida humana.
Para Karen Oliveira, diretora para Políticas Públicas da TNC Brasil, fica claro que falta aos países desenvolvidos ter a biodiversidade como prioridade em seus investimentos. “Até o momento, os países ricos, que são tradicionalmente os grandes doadores, se comprometeram a contribuir em torno de 200 bilhões. Ao mesmo tempo em que essa meta não tem sido cumprida, todo ano as oportunidades de financiamento (da biodiversidade) são ofuscadas por centenas de bilhões que na prática são investidos em subsídios para atividades prejudiciais à natureza”.
Fundos financeiros precisam alcançar a ponta em ações concretas de conservação
A expectativa das organizações socioambientais da sociedade civil, segundo Karen, é que a COP16 defina mecanismos de financiamento, diversificando fontes de recursos e alinhando os fluxos financeiros existentes. Ela afirma que a postura brasileira durante as negociações na COP16 será a de reforçar a necessidade de expansão do financiamento para a biodiversidade, inclusive e principalmente para comunidades tradicionais e populações indígenas. “O objetivo do Brasil é estabelecer um roteiro claro, que possa atingir os compromissos que já foram estabelecidos ao longo dos anos e na última COP (a COP15) e com isso simplificar o acesso a recursos financeiros, de forma mais equitativa, incluindo também a possibilidade de acesso direto aos povos indígenas e comunidades tradicionais a esse recurso”.
Com experiência de mais de 20 anos no desenvolvimento de projetos na ponta, junto a organizações e comunidades locais e populações indígenas, a coordenadora de projetos e Gerente do Fundo LIRA/IPÊ, Fabiana Prado, também defende a necessidade de simplificação e diversificação dos fundos financeiros para a biodiversidade, bem como a revisão dos mecanismos de acesso e aplicação, de forma que eles contemplem a variedade de setores que precisam de apoio para desenvolverem atividades para conservação da biodiversidade.
“É urgente pensarmos diferentes mecanismos de financiamento, que não estejam vinculados a um único fundo, porque os diferentes segmentos sociais utilizam esses recursos também de maneiras diferentes. Além disso, é importante lembrar que os fundos globais são utilizados basicamente dentro de uma agenda de governo que, embora tenha o seu papel fundamental estruturante, precisa articular melhor a execução das metas na ponta para que possamos alcançar resultados e cumprirmos as metas de conservação. Temos que pensar estrategicamente a forma como esses recursos podem ser distribuídos e acessados, inclusive por comunidades e populações tradicionais”.
Os segmentos onde os fundos de biodiversidade serão aplicados também merecem discussão mais aprofundada, segundo Fabiana. Um exemplo, de acordo com ela, é a pesquisa científica, que tem sido colocada de lado quando o debate é a restauração ou regeneração dos ecossistemas, o que ela acha uma falha.
“Precisamos da pesquisa em biodiversidade para gerar informação, tanto para conservação como para manejo e uso dos recursos da natureza. Estamos em um momento crítico de discussão sobre quem paga e quem é remunerado pelo uso da biodiversidade e seus recursos genéticos e isso tem muito a ver com os fundos globais de biodiversidade também. Precisa aprofundar a discussão sobre os mecanismos práticos de aplicação desse recurso. Outro ponto é que hoje, você não tem só governo fazendo esse trabalho de pesquisa, você tem OSCs, centros e empresas. A pergunta que fica é como você coordena o uso desses investimentos distribuindo em todos esses setores, dentro do que é justo para cada um? Acredito que esta seria a função do governo: de não ser um executor do fundo, mas um coordenador e gestor dessas ações”, afirma.
O LIRA – Legado Integrado da Região Amazônica é um exemplo de como a diversidade dos mecanismos de distribuição dos recursos é importante. O financiamento vindo do Fundo Amazônia é distribuído para mais de 80 organizações da sociedade civil da Amazônia que estão em diferentes níveis de desenvolvimento e com diferentes necessidades. Muitas dessas organizações nunca teriam condições de acessar direto o fundo diretamente, por conta da complexidade que isso exige, como ONGs muito pequenas de extrativistas e indígenas ou aquelas muito iniciantes, mas que têm papel fundamental para o desenvolvimento dos territórios e proteção da Amazônia.
“As ONGs, grandes ou pequenas, são as que mais podem contribuir para a aplicação e alcance das metas brasileiras para a conservação da biodiversidade porque elas têm isso em seu escopo, em sua missão institucional. Cada uma em seu nível de desenvolvimento, algumas atuando com advocacy e discutindo políticas públicas, outras buscando recursos diversos para implementação de ações, por exemplo, de restauração florestal, de proteção de serviços da natureza. Cada uma no seu eixo de ação, mas que, na soma, é o que dá o resultado que tanto queremos e precisamos”, conclui Fabiana.