A onda de calor registrada nos últimos meses no Brasil também foi marcada pelo aumento de incêndios florestais em vários biomas do território nacional. A “temporada do fogo”, caracterizada pela incidência de incêndios em florestas urbanas, propriedades rurais e áreas protegidas, movimentou o trabalho de órgãos ambientais e de dezenas de brigadas voluntárias e comunitárias de norte a sul do país.
Na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, no oeste do Pará, a operação de combate aos incêndios florestais, em outubro deste ano, contou com a participação de mais de 80 pessoas. Coordenada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em parceria com o Centro Nacional de Prevenção, Controle e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo/Ibama) e o Corpo de Bombeiros, a operação teve o apoio de voluntários da Brigada de Alter do Chão, Brigada Comunitária de Anã Maripá e Brigada Guardiões do Território Kumaruara.
“A parceria das brigadas voluntarias com o Corpo de Bombeiros e os órgãos ambientais é essencial nesse tipo de operação. O envolvimento da sociedade civil organizada e dos moradores das comunidades tradicionais, como no caso das brigadas Anã Maripá e Guardiões Kumaruara, fortalece ainda mais as ações de combate e prevenção ao fogo”, afirma João Romano, integrante da Brigada de Alter do Chão.
O incêndio na Resex Tapajós-Arapiuns, que se intensificou no mês de outubro, já foi controlado, mas consumiu uma área de mais de 2,5 mil hectares. A seca histórica na região amazônica e a declaração de emergência nos municípios que abrangem o território da Resex, agravaram ainda mais a situação.
“Durante a operação nós enfrentamos uma logística insana por conta da seca do rio. Tivemos que chegar em lanchas, ir para barcos menores e cruzar igarapé para conseguir acessar as comunidades. A seca também fez com que o deslocamento para algumas áreas levasse muito mais tempo que o comum, pois, como o uso de embarcação era inviável, precisamos fazer o trajeto por terra. E nesse caso, o apoio dos comunitários, para orientar no reconhecimento do território foi fundamental”, ressalta João.
Em outubro de 2023 o Amazonas registrou o pior índice mensal de queimadas dos últimos 25 anos. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e leva em consideração o monitoramento feito desde 1998, quando o órgão começou a série histórica. O estado contabilizou 2.929 focos de calor em apenas 15 dias, 93% a mais do que a média histórica para o mês todo.
O desequilíbrio climático que gera o aquecimento global em algumas regiões é um dos responsáveis por esse panorama, mas existem outros elementos como o El Niño, fenômeno atmosférico e oceânico de aquecimento das águas do oceano Pacífico, que traz como consequências o aumento das temperaturas médias globais. O desmatamento e a degradação das áreas naturais também favorecem a diminuição da umidade e aumento das temperaturas locais, e consequentemente ampliam o risco de incêndios florestais
Assim como no Pará, a operação de combate à incêndios florestais no Amazonas também contou com a participação intensa de voluntários. Segundo Heitor Pinheiro, que atua na Fundação Vitória Amazônica e é brigadista voluntário, o trabalho das brigadas apoiadas pela instituição se concentrou na Região Metropolitana de Manaus e nas unidades de conservação estadual do Mosaico do Baixo Rio Negro, território que reúne 11 UCs localizadas entre os municípios de Manaus, Novo Airão, Iranduba, Barcelos e Manacapuru.
“A atuação das brigadas voluntárias vai além do trabalho de combate a incêndios. A nossa operação durou 30 dias no combate, mas foram quase 3 meses de trabalho de inteligência geográfica, monitorando e avaliando os focos de calor na região”, explica Heitor.
Para o brigadista, a participação de voluntários que moram nas unidades de conservação foi decisiva para o êxito da operação. “O conhecimento dos brigadistas comunitários que vivem nas unidades de conservação estadual do Mosaico faz toda a diferença nesse tipo de atividade, principalmente em relação às orientações para enfrentar o desafio da logística causada pela seca extrema”.
O papel dos brigadistas voluntários também tem sido fundamental para combater os focos de incêndios que se intensificaram nessa temporada de seca em Minas Gerais. Segundo dados do Corpo de Bombeiros, em quatro anos, o número de incêndios florestais praticamente dobrou no estado, saltando de 10.169 em 2018 para 19.331 em 2022. Este ano, até o início de setembro, foram registrados 13.881 — ou seja, mais de 50 por dia ou dois a cada hora.
Um exemplo foram os Incêndios de grandes proporções que atingiram a mata da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Serra do Caraça, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em setembro deste ano. A operação de combate contou com o apoio de voluntários da Brigada 1, grupo que há 20 anos atua com iniciativas de conservação ambiental em Minas Gerais, através de educação ambiental e ações de combate e prevenção ao fogo.
“Eu costumo dizer que ser brigadista é um ato de coragem. Doar parte do seu tempo, das suas habilidades para proteger a natureza não é tarefa fácil. Além do desafio de conciliar vida pessoal e vida profissional com o trabalho voluntário, ainda tem as dificuldades do dia a dia da brigada, que é uma atividade muito perigosa e exige muita atenção e dedicação de quem participa”, ressalta Ana Carina Roque, vice-presidente da Brigada 1. Mas ainda assim, vale a pena ver o resultado disso e a importância dessas iniciativas para a conservação ambiental ”, ressalta Ana Carina Roque, vice-presidente da Brigada 1.
No Pantanal, a seca extrema impulsionada pelo El Niño de 2023, intensificou os incêndios florestais no último mês. De acordo com o INPE, nos primeiros 20 dias de novembro, o bioma registrou 3.957 focos de calor, cerca de nove vezes maior que a média para o mês nos últimos 25 anos. O combate às queimadas na região também mobilizou dezenas de brigadistas voluntários.
Segundo André Siqueira, diretor da organização Ecoa – Ecologia e Ação, que atua há 23 anos atua com apoio e formação de brigadistas no Pantanal, o trabalho das brigadas voluntárias foi determinante para conter os focos de calor e evitar a ampliação dos incêndios no bioma.
“ A ação dos brigadistas se concentrou em diversos pontos do Pantanal como na Área de Proteção Ambiental Baia Negra, em Ladário (MS), Barra do São Lourenço, Serra do Amolar, Passo do Lontra, em Corumbá, MS). Entre os indígenas Terena a preparação e ação direta foi de grande importância para evitar a destruição de suas áreas, como foi o caso dos grupos formados nas aldeias São Miguel (Kinikinau), Mãe Terra (Terena)”, explica.
Voluntários de norte a sul do Brasil
Um levantamento realizado pelo IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, no primeiro semestre deste ano, identificou cerca de 200 brigadas voluntárias voltadas para a prevenção e combate de incêndios florestais no Brasil. A pesquisa também catalogou outras diversas instituições que apoiam o voluntariado em atividades relacionadas ao Manejo Integrado do Fogo.
A iniciativa, que visa incentivar e estruturar brigadas voluntárias que usam o fogo como instrumento de conservação ambiental no país, faz parte do Projeto Voluntariado no Manejo Integrado do Fogo que tem o objetivo de construir uma Estratégia Federal de Voluntariado no MIF.
Para Rafael Gava, presidente da Rede Nacional de Brigadas Voluntárias (RNBV), a atuação dessas iniciativas em várias partes do país reforça a importância do voluntariado para a conservação ambiental. “O projeto Voluntariado no MIF tem ajudado muito no entrosamento e no intercâmbio desses grupos, tanto em relação à conhecimento quanto em relação aos equipamentos de trabalho. E é através dessa integração que ocorre o fortalecimento dessas iniciativas e o protagonismo das organizações comunitárias de prevenção e combate ao fogo”, afirma.
A aprovação da Política Nacional de Manejo do Fogo tem sido aguardada por todos, por acreditarem que trará grandes contribuições para o fortalecimento dessa agenda.
Voluntariado no MIF
Iniciado em 2022, o projeto tem uma abrangência nacional, com potencial de contribuição junto ao sistema de unidades de conservação (UCs) e seu entorno, terras indígenas e territórios quilombolas, além de elementos integradores de paisagem como reservas legais e áreas de preservação permanente, no âmbito das propriedades particulares. A iniciativa é realizada pelo IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, em parceria com a Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), Coordenação de Manejo Integrado do Fogo (CMIF) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
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Foto de capa: Acervo/ Brigada 1