Bióloga Fernanda Abra é associada de projetos do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e professora da ESCAS, escola do Instituto. Cinco pesquisadores de outros países também foram reconhecidos.
Crédito das fotos: Smithsonian´s National Zoo and Conservation Biology Institute
A bióloga Fernanda Abra é a brasileira vencedora da edição 2024 do Prêmio Whitley, da organização britânica Whitley Fund for Nature (WFN) e considerado o Oscar da Conservação da Natureza. Fernanda dedica sua vida a salvar animais silvestres das ameaças impostas por rodovias em vários biomas do Brasil. Ela foi reconhecida pelo trabalho pioneiro que desenvolve no “Projeto Reconecta”, que tem o apoio institucional do IPÊ. No projeto, Fernanda constrói pontes de dossel de baixo custo e monitora mamíferos arborícolas sobre a rodovia BR-174, uma das que cortam a Floresta Amazônica (em uma região entre os estados do Amazonas e Roraima). Até agora, Fernanda e equipe construíram 30 pontes artificiais na copa das árvores para restaurar a conectividade da floresta para a vida silvestre e, apenas em 2022, elas já foram usadas por oito espécies arbóreas, incluindo o sagui-de-mão-dourada – um importante símbolo cultural para os Waimiri-Atroari, comunidade indígena local que participa ativamente do projeto.
Fernanda é pesquisadora associada do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e professora da ESCAS, escola do Instituto, e colabora em projetos da instituição com o mesmo foco, o de proteger a fauna silvestre do impacto de rodovias. O Brasil é o país mais biodiverso do mundo em espécies de fauna e possui a quarta maior malha rodoviária do planeta, sendo que boa parte das rodovias passa por ambientes naturais. Somente no Estado de São Paulo, em uma pesquisa encaminhada por ela, a estimativa é que em média morram mais de 39 mil indivíduos de mamíferos silvestres todos os anos vítimas por atropelamentos.
“Trabalhar com conservação de espécies, para mim, sempre teve muito a ver com adequar o ambiente das rodovias, para que fossem menos impactantes para a fauna. Dediquei minha carreira entendendo como reduzir esse impacto para animais terrestres, e esse é um assunto complexo. Quando pude ampliar meus estudos, decidi fazer isso com animais que usam árvores para se locomover e passei a realizar esse projeto, criando pontes em dosséis florestais. No Projeto Reconecta, eu uni conservação aplicada a um projeto de pesquisa, criando passagens de fauna de baixo custo e fazendo um monitoramento para entender se as pontes reduzem o impacto dos atropelamentos para algumas espécies e se reduzem a barreira imposta pela rodovia para conectividade florestal”, conta ela, que também é pós-doutoranda pelo Zoológico Nacional e Instituto de Biologia de Conservação do Smithsonian nos Estados Unidos. O projeto de Fernanda provou que os animais estão se beneficiando dessas travessias e é um modelo mais barato, que pode ser replicado em outras áreas da Amazônia e biomas florestados do Brasil (em 2024, há planos de fazer passagens de fauna para o mico-leão-preto na Mata Atlântica, junto com o IPÊ).
“Fiquei muito honrada por esse prêmio, primeiro porque vou poder ampliar as ações na Amazônia, e segundo porque eu pude contar com apoiadores super comprometidos, como a população indígena, o IBAMA, o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Trasnporte), o IPÊ, a UFAM – Universidade Federal do Amazonas e o Smithsonian. Precisamos de mais instituições e órgãos interessados em criar modelos de rodovias mais sustentáveis para a fauna”, disse.
A princesa Anne, patrona do Prêmio Whitley estará na cerimônia em 1° de maio na Royal Geographical Society. O evento marcará os 30 anos do primeiro Prêmio Whitley e os 25 anos desde o envolvimento da Princesa como Patrona. O evento também será transmitido ao vivo no YouTube.
Além de Fernanda, representando o Brasil, mais cinco pesquisadores foram agraciados com o prêmio. Sir David Attenborough, embaixador da WFN e apoiador de longa data da instituição de caridade, disse que a crescente rede de vencedores representa alguns dos líderes de conservação mais impressionantes do mundo. “Os vencedores do Prêmio Whitley combinam o conhecimento de como responder a crises, mas também trazem consigo comunidades e públicos mais amplos.”
Conheça o projeto Reconecta, de Fernanda Abra:
Quarenta por cento das espécies de primatas estão ameaçadas de extinção no Brasil, com fragmentação de florestas e impactos causados por rodovias entre as principais ameaças que enfrentam. O Brasil possui a quarta maior rede rodoviária do mundo. O governo federal revelou no ano passado um programa de gastos de 1 bilhão de reais (156 mil milhões de libras) para impulsionar a infraestrutura, que deverá incluir a construção de novas rodovias no país.
A chave para o sucesso do “Projeto Reconecta” foi conquistar o apoio do povo indígena Waimiri-Atroari. Os 2,3 milhões de hectares de terra habitados pelos indígenas são cortados pela rodovia federal BR-174, num território considerado um dos mais bem preservados da Amazônia. Mais de 150 pessoas Waimiri-Atroari participaram da construção e instalação das pontes na copa das árvores ao longo de um trecho de 125 km da rodovia. Fernanda também colaborou com as agências federais de transporte e meio ambiente do Brasil – o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) – além da Universidade Federal do Amazonas, a UFAM.
O governo federal do Brasil tornou a conservação da Floresta Amazônica uma prioridade desde sua eleição em 2022, comprometendo-se a alcançar o desmatamento zero até 2030 e direcionando mais recursos para as agências que mantêm ecossistemas diversos. O povo Waimiri-Atroari tem lutado por pontes artificiais na copa das árvores há décadas depois que a rodovia BR-174 se tornou uma fonte de mortalidade da vida selvagem após sua construção na década de 1970, quando o Brasil era governado por uma ditadura militar. A construção da rodovia desencadeou um aumento no desmatamento ilegal e o povo Waimiri-Atroari sofreu o caso mais grave de genocídio de povos indígenas na história do Brasil, segundo as Nações Unidas.
Desde que Fernanda e equipe construíram as 30 pontes artificiais na copa das árvores para restaurar a conectividade da floresta para a vida selvagem em 2022, elas foram usadas por oito espécies arbóreas, sendo o sagui-de-mão-dourada – um importante símbolo cultural para os povos indígenas – o usuário mais frequente.
“O povo Waimiri-Atroari é o coração do projeto. Eles sabem tudo sobre a vida silvestre local. Eles conhecem a ecologia dos animais. Eles conhecem os padrões temporais e espaciais. E isso foi fundamental para nós estabelecermos o projeto Reconecta aqui.”
No âmbito do Projeto Reconecta, cada ponte na copa das árvores é monitorada com duas armadilhas fotográficas, registrando o número de animais se aproximando, atravessando ou evitando as pontes. A equipe registrou 500 travessias bem-sucedidas ao longo de um período de 11 meses, um número que se espera aumentar à medida que os mamíferos se acostumem a elas. As pontes foram utilizadas em apenas 30 dias após a instalação, com algumas espécies mostrando preferência por designs específicos de pontes na copa das árvores.
As pontes consistem em cabos de aço, cordas e redes de nylon e são ancoradas por postes de concreto. A equipe de Fernanda usou dois designs: uma ponte horizontal em cruzeta e um único cabo de aço envolto em corda trançada. Ambas as pontes são parte de um experimento para entender qual o design preferido por diferentes espécies. O custo dos materiais utilizados neste projeto foi em média £1.500 por ponte (cerca de 10,5 mil reais). Com o financiamento do Prêmio Whitley, Fernanda planeja medir o sucesso das pontes em aumentar a conectividade do habitat para espécies arbóreas e reduzir a mortalidade por atropelamento na BR-174, além de expandir o projeto para Alta Floresta, uma cidade fronteiriça localizada no estado de Mato Grosso.
Oito espécies de primatas podem ser encontradas em Alta Floresta, município no Mato Grosso. Cinco delas estão em perigo especificamente devido à perda de habitat natural, fragmentação e colisões em viários: Zogue-zogue-de-Alta-Floresta, Macaco-aranha-preto, Mico-de-Schneider, Bugio-ruivo-de-Spix e Bugio-ruivo-do-Purus.
Sua equipe identificou cinco locais onde as pontes na copa das árvores são imperativas para a reconexão em Alta Floresta. Fernanda espera garantir o apoio do governo federal para o seu trabalho. Ela também planeja treinar mais de 200 pessoas dos órgãos federais de transporte e meio ambiente que trabalham com licenciamento ambiental para rodovias em nove estados da Amazônia brasileira como parte de seu objetivo de estabelecer uma cultura de infraestrutura sustentável.
Como parte desse objetivo, Fernanda busca se reunir com a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, e Renan Filho, o Ministro dos Transportes, para discutir o potencial de expandir o Projeto Reconecta para outras rodovias na Amazônia e em outros biomas florestais no Brasil.
WHITLEY FUND FOR NATURE
O Whitley Fund for Nature (WFN) é uma instituição de caridade do Reino Unido que apoia líderes de conservação de base nos países do Sul Global. Ao longo de 30 anos, ele direcionou £23 milhões para mais de 200 conservacionistas em 80 países.
Um pioneiro no setor, o WFN foi uma das primeiras instituições de caridade a direcionar financiamento diretamente para projetos liderados por nacionais dos países em que atua. Seu rigoroso processo de candidatura identifica indivíduos inspiradores que combinam a ciência mais recente com ação baseada na comunidade.
Os prêmios emblemáticos do WFN – Prêmios Whitley – são apresentados pela Patrona da instituição, a Princesa Anne, alteza real, em uma cerimônia anual prestigiada em Londres, na Royal Geographical Society. Os vencedores recebem financiamento, treinamento e visibilidade, incluindo curtas-metragens narrados pelo Embaixador do WFN, Sir David Attenborough.
Os demais vencedores dos Prêmios Whitley de 2024 são:
- Naomi Longa de Papua Nova Guiné, que está protegendo os recifes de coral na Baía de Kimbe e criando uma rede de áreas marinhas protegidas lideradas por mulheres indígenas locais.
- Dr. Aristide Kamla de Camarões, que está restaurando o habitat do peixe-boi-africano no Lago Ossa, enfrentando ameaças de espécies invasoras e poluição.
- Kuenzang Dorji do Butão, que está protegendo o Langur-dourado-de-gees em perigo e implementando soluções para agricultores cujas plantações são alvo dos primatas.
- Leroy Ignacio da Guiana, que está liderando a expansão de um dos primeiros movimentos de conservação liderados por indígenas do país para proteger o Pintassilgo-de-bico-vermelho em perigo.
- Raju Acharya do Nepal, que está fortalecendo a proteção para corujas no Nepal central depois de liderar um plano de 10 anos apoiado pelo governo para proteger as aves.
Todos os anos, um vencedor anterior do Prêmio Whitley é escolhido para receber o Prêmio Whitley Gold, no valor de £100.000, em reconhecimento à sua contribuição excepcional para a conservação. Além de fazer parte do Painel de Julgamento, o vencedor do Prêmio Whitley Gold também atua como mentor dos vencedores do Prêmio Whitley e como embaixador internacional do sucesso da conservação.
O vencedor do Prêmio Whitley Gold de 2024 é Purnima Devi Barman, da Índia, reconhecida por catalisar um movimento de dezenas de milhares de mulheres em Assam para salvar a cegonha adjutant maior.