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Durante 10 anos, na Mata Atlântica, pesquisadores compararam áreas de floresta utilizadas por mamíferos herbívoros, incluindo a anta-brasileira (Tapirus terrestris) e a queixada (Tayassu pecari), e áreas para as quais o acesso desses animais foi bloqueado por plots de exclusão (cercas). O resultado principal é que as áreas utilizadas por esses animais apresentaram menor perda de diversidade do que as áreas cercadas.
O estudo inédito em florestas tropicais gerou um artigo recém-publicado no Journal of Applied Ecology do British Ecological Society (BES). As pesquisas foram realizadas no Parque Estadual Morro do Diabo, no extremo oeste do Estado de São Paulo. O trabalho traz um alerta para a importância de ações de conservação de animais ameaçados de extinção. A anta brasileira, por exemplo, integra o Red List da IUCN – União Internacional para Conservação da Natureza, como “Vulnerável à Extinção” em toda a sua distribuição. Já a queixada é considerada “Criticamente Ameaçada” na Mata Atlântica.
A coordenadora da INCAB – Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira, do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, Patrícia Medici, assina o artigo junto com Nacho Villar, pesquisador do Instituto Holandês de Ecologia NIOO-KNAW. “Neste estudo, relatamos os resultados de um primeiro experimento sobre os efeitos que a conservação e proteção dos grandes herbívoros têm sobre a manutenção da biodiversidade em florestas tropicais e, até onde sabemos, em qualquer outro bioma florestal. O estudo indica que os grandes herbívoros têm um papel muito importante para desacelerar a perda de diversidade florestal”, conta Patrícia.
Conservacionista Patrícia Medici fotografa anta-brasileira no momento em que o animal sai da armadilha de caixa onde foi capturada para a coleta de materiais biológicos para estudos de saúde e genética.
O registro foi feito na Fazenda Baia das Pedras no Pantanal brasileiro (Município de Aquidauana, Estado do Mato Grosso do Sul), um dos principais biomas para a conservação da anta no país.
Crédito da foto: João Marcos Rosa
Segundo o estudo, as florestas maduras com alta diversidade foram as que mais se beneficiaram da presença dos grandes herbívoros. “Por outro lado, os resultados mostram como a composição da floresta é severamente afetada quando os animais são excluídos do bioma, sinalizando o que pode estar acontecendo em uma série de outros fragmentos da Mata Atlântica, um dos biomas mais ameaçados do planeta”, destaca a pesquisadora.
Com o início da Década da Restauração das Nações Unidas (2021-2030), os resultados deste estudo são também uma orientação para futuras iniciativas de conservação e restauração florestal. “A conservação desses animais e a restauração trófica (sem participação do homem) são cada vez mais reconhecidas como ferramentas importantes para restaurar ecossistemas florestais e evitar os efeitos agudos das mudanças globais sobre a biodiversidade. No entanto, tais soluções baseadas na natureza ainda não são reconhecidas como uma opção de conservação, sobretudo para florestas tropicais. Acreditamos que o estudo reforça como seria estratégico seguirmos nessa direção”, destaca a pesquisadora.
Do ponto de vista aplicado, tais descobertas indicam que a conservação das espécies e a restauração promovida por elas, podem ser mais eficazes na proteção contra fortes declínios de diversidade de longo prazo em florestas tropicais bem preservadas com altos níveis de diversidade florestal. “Durante os 10 anos do estudo, a abundância de plantas na fase inicial de germinação, o estabelecimento delas e a riqueza de espécies diminuíram cerca de 20% ou mais, proporcionando um experimento natural único para testar a significância funcional dos grandes herbívoros para evitar o colapso da biodiversidade a longo prazo”, diz Patrícia.
Os pesquisadores observaram também se os grandes herbívoros afetam de forma diferenciada as florestas maduras em comparação com as florestas secundárias. “Essa é uma questão importante e inexplorada na conservação e restauração trófica. Nas florestas secundárias, identificamos cerca de metade do número de espécies das florestas maduras. Em florestas secundárias, os resultados indicam limitada proteção dos grandes herbívoros contra a perda de diversidade. Mudanças ambientais regionais de longo prazo colocam em risco o potencial de recuperação de tais florestas secundárias e a transição para mais florestas maduras e diversificadas”, afirma Nacho Villar.
Detalhes da pesquisa na prática
As descobertas são fruto do monitoramento de 200 m² de Mata Atlântica do Interior no Parque Estadual Morro do Diabo, São Paulo, Brasil, realizado entre 2004 e 2014. “Investigamos o potencial de atuação dos grandes herbívoros contra o colapso da diversidade vegetal a longo prazo, examinando seus efeitos na abundância de plantas na fase inicial de germinação, riqueza e diversidade de espécies, diversidade temporal e na taxa de mudança de composição florestal. Esses animais contribuem diretamente com as plantas do sub-bosque, por meio da dispersão de sementes e atuação nas plantas na fase inicial de germinação. Desta forma, redutos de biodiversidade são altamente sensíveis ao desaparecimento de animais tais como a anta-brasileira (Tapirus terrestris) e o queixada (Tayassu pecari), por exemplo”, explica Villar.
A equipe de Patrícia dividiu a área monitorada em 200 parcelas, incluindo 100 áreas cercadas de forma a evitar o acesso dos grandes herbívoros e 100 áreas de controle, onde não houve restrição à entrada dos animais. Como forma de compreender possíveis diferenças de acordo com o amadurecimento da floresta, as áreas cercadas estavam divididas em dois grupos, sendo 25 pares em áreas de floresta madura e 25 pares em floresta secundária.
Para o isolamento das áreas (plots de exclusão), os pesquisadores utilizaram postes de madeira e tela de arame (2×2 cm). As exclusões tinham as seguintes dimensões: 3 metros de largura, 6 metros de comprimento e 1,20 metros de altura. Foi mantida uma abertura de 20 cm ao redor da parte inferior do plot permitindo assim a entrada de pequenos mamíferos terrestres, tais como roedores e marsupiais. Dentro de cada área de exclusão, uma área de amostragem central de 1×4 m foi estabelecida e dividida em quatro quadrantes de 1×1 m.
Parcelas de controle não cercadas tinham 1 m de largura e 4 m de comprimento, divididas em quatro quadrantes de 1×1 m. Para cada parcela de exclusão e controle, dois dos quadrantes de 1×1 m foram escolhidos aleatoriamente para serem amostrados ao longo do estudo.
Amostragem florestal
Nas áreas monitoradas, todas as plantas com mais de 10 cm e diâmetro ≤ 5 cm foram marcadas com placas de PVC e receberam um número de referência. A metodologia permitiu realizar amostragem subsequentes dos mesmos indivíduos. As novas plantas que surgiram durante a pesquisa e que também atendiam aos critérios foram incorporadas ao protocolo de monitoramento.
Durante os primeiros cinco anos do estudo (2004-2008), os pesquisadores realizaram medições das plantas duas vezes por ano, no início da estação chuvosa (outubro) e no início da estação seca (abril). No período de 2009 a 2012, a coleta de dados foi realizada uma vez ao ano. As medições finais ocorreram em 2014, encerrando 10 anos de coleta de dados, com 14 medições. “Seguimos o destino de 7.287 plantas e rastreamos o declínio da diversidade durante o período de 10 anos”, destaca Patrícia.
Ameaças e oportunidade
A conservação dos grandes herbívoros e a restauração florestal promovida por eles, especialmente em florestas tropicais, representam desafios por uma série de ameaças que esses animais enfrentam pela ação do homem. Segundo os pesquisadores, avanços nessa direção precisam considerar medidas de proteção às espécies. “Manejo da paisagem eficaz, fiscalização e conservação visando aumentar as populações desses animais e a facilitação da dispersão e movimentação entre remanescentes florestais são estratégicas. Além delas, vale pontuar, a necessidade de iniciativas de reintrodução e translocação desses animais, uma vez que grandes extensões de florestas maduras ricas em diversidade atualmente estão desprovidas desses animais, por conta da caça, do atropelamento e tantas outras ameaças”.
Com base nos resultados, os pesquisadores destacam que a restauração ativa das florestas neotropicais com grandes herbívoros pode ser, de fato, a solução mais eficaz para melhorar o estado de conservação de muitas espécies de grandes herbívoros contribuindo com a diversidade das florestas tropicais a longo prazo. “Sugerimos que as medidas tenham início em florestas maduras e, em seguida, em florestas secundárias com altos níveis de diversidade”.
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