As duas últimas semanas de setembro foram marcadas por alertas de ondas de calor para várias regiões do Brasil. A situação é semelhante a que aconteceu no hemisfério norte entre junho e agosto, quando testemunhamos recordes de temperatura em países como Itália e Espanha. O governo da Austrália também tem emitido alertas de altas temperaturas e risco de incêndios florestais. Em 2023 os incêndios florestais já foram motivo de grande preocupação na Europa e no Canadá.
O desequilíbrio climático que gera o aquecimento global em algumas regiões é um dos responsáveis por esse panorama, mas existem outros elementos como o El Niño, fenômeno atmosférico e oceânico de aquecimento das águas do oceano Pacífico, que traz como consequências o aumento das temperaturas médias globais. O desmatamento e a degradação das áreas naturais também favorecem a diminuição da umidade e aumento das temperaturas locais, e consequentemente ampliam o risco de incêndios.
No Brasil, esse cenário, associado ao período de maior estiagem em algumas regiões nessa época do ano, aumentam os riscos de incêndios florestais. Os meses de setembro e outubro são historicamente marcados por noticiários que trazem imagens assombrosas de milhares de hectares de áreas naturais consumidas pelas chamas. Todos os anos ficamos na expectativa de que tragédias como as que ocorreram no Pantanal em 2020 não se repitam. Diante dessa ameaça é necessário que os olhares se ampliem para além das ações de combate aos incêndios em situações de emergência já instaladas, mas que se considere uma abordagem associada ao Manejo Integrado do Fogo como ferramenta de conservação ambiental.
O Manejo Integrado de Fogo (MIF) envolve aspectos ecológicos, culturais, socioeconômicos e técnicos relacionados ao fogo, com a finalidade de minimizar os danos e maximizar benefícios aos ambientes naturais e às populações locais. As atividades do MIF incluem trabalho de sensibilização sobre o uso cultural e socioeconômico e o papel ecológico do fogo, mobilização social e educação ambiental, prevenção de incêndios, queimas controladas e prescritas, detecção e combate a incêndios florestais, além da reabilitação de ecossistemas e mitigação de danos.
Além das instituições públicas legalmente responsáveis pela gestão dos incêndios florestais no país, parte deste trabalho também é realizado por voluntários. Um levantamento realizado pelo IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, de janeiro a maio deste ano, identificou mais de 180 organizações voluntárias voltadas para a prevenção e o combate aos incêndios florestais no Brasil, além de outras atividades de conservação associadas ao fogo. No entanto, acredita-se que esse número deve ser muito maior. Os estados de Minas Gerais e Bahia são os que apresentam a maior quantidade de organizações em relação aos demais.
“Além das brigadas voluntárias e comunitárias, também foram identificados centenas de voluntários que atuam de forma individual ou coletiva em atividades ligadas ao manejo integrado do fogo, como prevenção e combate aos incêndios florestais, educação ambiental, pesquisa e monitoramento e recuperação de áreas degradas. O perfil também é bastante variado, incluindo voluntários indígenas, extrativistas, quilombolas, ribeirinhos, agricultores familiares, dentre outros”, explica Angela Pellin, coordenadora do projeto Voluntariado no Manejo Integrado do Fogo, do IPÊ.
Na pesquisa realizada pelo IPÊ, a maior participação de voluntários individuais ocorreu em Minas Gerais, Distrito Federal e na região do Arco do Desmatamento, no Amazonas e Pará. Esse mesmo estudo identificou pelo menos 130 áreas protegidas, entre unidades de conservação, terras indígenas e territórios quilombolas que são declaradas como áreas de atuação das brigadas voluntárias ou comunitárias, reforçando a importância desses grupos para a conservação desses espaços.
Voluntariado no Manejo Integrado do Fogo
Além da pesquisa, o projeto Voluntariado no MIF também já realizou dois workshops nacionais para debater a estratégia federal de voluntariado no Manejo Integrado no Fogo. Durante os eventos, brigadistas voluntários e comunitários, representantes do poder público federal e de organizações que atuam com MIF em diferentes estados do Brasil, discutiram sobre o cenário, as oportunidades e os desafios do voluntariado no MIF nos mais diversos biomas do país, visando à construção e regulamentação da futura estratégia. O próximo workshop está previsto para ser realizado no mês de novembro, em Brasília.
Presidente da Associação de Brigadistas Indígenas do povo Xerente, em Tocantins, Bolivar Xerente elogiou as trocas de experiências realizadas nos encontros e disse que conhecer outras brigadas voluntárias fortalece e incentiva as iniciativas de MIF no país. “Ouvir os relatos de outros brigadistas de outros territórios e outros biomas nos ajuda a rever o nosso trabalho e entender como as nossas ações de manejo integrado de fogo podem ser melhoradas”, explica Bolivar.
“O IPÊ acredita no voluntariado como estratégia de engajamento e participação da sociedade na conservação da biodiversidade e no enfrentamento aos desafios climáticos. Unir representantes do governo, da sociedade civil e voluntários para dialogar sobre o cenário atual do manejo integrado do fogo é essencial para reconhecer o impacto positivo dessas iniciativas”, destaca a coordenadora do projeto.
Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, afirma que o projeto realizado pelo IPÊ é uma maneira de dar visibilidade para as iniciativas de voluntariado no MIF espalhadas pelo Brasil. “A gente precisa que as pessoas entendam a importância desse tipo de manejo para a conservação das florestas. Por isso, apoiamos e incentivamos espaços como esse que ajudam a gente entender mais a dinâmica, a funcionalidade e o contexto do manejo do fogo para o meio ambiente”, ressalta Agostinho.
O projeto é realizado pelo IPÊ em parceria com a Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), a Coordenação de Manejo Integrado do Fogo (CMIF) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA)