*Artigo de Suzana e Claudio Padua (Fundadores do IPÊ)
Texto original do Blog do Fórum Econômico Mundial Latino Americano
Uma das maiores riquezas dos países latino-americanos é a sua biodiversidade. No entanto, raramente contribui para o desenvolvimento econômico das nações que compõem a região. No Brasil, de acordo com as estatísticas oficiais, nenhuma das 10 principais exportações em 2016 teve sua origem na biodiversidade do país. Em vez disso, a ênfase tem sido em produtos que exigem transformação ou mesmo, e este é o pior cenário, a destruição da própria biodiversidade. O resultado disso são produtos de baixo custo com pouco valor agregado, como monoculturas, pecuária extensiva e mineração.
Enquanto insistimos nesta fórmula econômica, o mundo avança em direção à Quarta Revolução Industrial, com seus incríveis desenvolvimentos em genética e biologia. Apesar de terem materiais genéticos excepcionais, nossos países estão perdendo força e não conseguindo capitalizar nossas riquezas naturais. Isso é uma falta de compreensão de que há uma necessidade de salvar esses materiais, o que nem sequer é feito de forma eficaz. Devemos usar nossa biodiversidade de forma inovadora e sustentável. O que é ainda melhor, podemos fazer isso conservando nossa biodiversidade e mantendo nossos ecossistemas.
Para fazê-lo, no entanto, devemos avançar urgentemente na economia do conhecimento da Quarta Revolução Industrial. Podemos pensar que isso não é possível em nossos países, mas, pelo menos no Brasil, houve exemplos que mostram que, quando há vontade política e planejamento adequado, os resultados são positivos. Este é o caso da agricultura e da pecuária, que foram modernizadas após a criação da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Outro exemplo é a EMBRAER (Empresa Brasileira de Aeronáutica), que contrata a maioria de seus profissionais do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), uma notável escola de engenharia que manteve altos padrões internacionais desde a sua fundação. Existem outros bons exemplos entre os produtores de papel e celulose, como a Fibria e outros que se associaram às melhores universidades brasileiras, resultando em avanços exemplares que são respeitados em todo o mundo.
Exemplos sobre o que não devemos fazer são abundantes, como manter o modelo atual de desenvolvimento, que só irá intensificar as perdas sociais e naturais. Não adianta construir centros de pesquisa se não houver profissionais ou investimentos de alto nível para alavancar a qualidade de um determinado campo. Alguns centros têm laboratórios caros, mas não possuem a equipe de profissionais capaz de conceber novas ideias que favoreçam o uso da biodiversidade que podem resultar em ganhos sociais, econômicos e ambientais.
Houve uma falta geral de apoio para a implementação de modelos econômicos ousados que permitiriam que esses países explorassem os setores econômicos mais dinâmicos, como aqueles que dependem do uso intensivo do conhecimento – biotecnologia, informática e comunicações. Esses setores poderiam acelerar o crescimento e reduzir a exploração dos recursos naturais. Parece evidente que, para se desenvolver no mundo de hoje, a sociedade precisa ser rica em conhecimento. Isso, por sua vez, requer investimento em capital humano e importação e posterior exportação de produtos que dependem do conhecimento e não apenas dos recursos naturais. A implicação para uma política de desenvolvimento para um futuro mais equilibrado e próspero é adotar mecanismos políticos que abandonem o uso intensivo dos recursos naturais; e combinar educação e pesquisa de novas maneiras que permitem ganhos econômicos através de uma nova visão que respeite a natureza e evite a sobreexploração da biodiversidade.
O acesso aos recursos genéticos deve, naturalmente, ser regulado para proteger o meio ambiente e assegurar a justiça social, e esses objetivos exigem muito mais do que apenas leis ou tratados. Eles exigem uma mudança de paradigma que inclua um contrato social que reflete o planejamento consultivo com metas e objetivos claros que podem ser implementados de forma contínua e em longo prazo, em todos os setores da sociedade. Aumentar a capacidade científica dos países em desenvolvimento e educar os profissionais que podem mudar seus países para o desenvolvimento baseado no conhecimento parece mais importante do que proteger partes de terra como reservas, ou mesmo transformar áreas naturais em monoculturas agrícolas, como tem sido a tendência atual.
A cooperação interinstitucional ou mesmo continental pode certamente contribuir para o conhecimento necessário para determinar como a biodiversidade pode se tornar uma fonte de riqueza para um país, em vez de ser vista como algo a ser destruído. Somente com esse conhecimento, nossos países podem se tornar exportadores de recursos naturais de forma a não mais promover a extinção de espécies e a destruição da biodiversidade. Um uso sólido e racional baseado no conhecimento da biodiversidade pode levar à justiça social e um relacionamento respeitoso com a natureza, o que, por sua vez, pode aumentar sua proteção para as gerações atuais e futuras. Isto, em nossa opinião, parece um desafio apropriado para a América Latina no início do século XXI.