Por Simone Tenório
Concluímos a COP30 com avanços, embora permeados por entraves que impediram decisões mais assertivas em pontos estratégicos. Apesar disso, não há motivo para desânimo. Após três décadas de negociações sobre como conter o agravamento da crise climática, é importante retomar alguns princípios estruturantes do regime internacional do clima.
Entre os fundamentos que orientam a governança climática internacional, destaca-se o Princípio das Responsabilidades Comuns porém Diferenciadas (RCMD), consagrado na Cúpula da Terra realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Esse princípio é um eixo central das negociações sobre mudança do clima e desenvolvimento sustentável, ao afirmar que todos os Estados devem responder aos desafios ambientais globais, porém de modo compatível com suas capacidades institucionais, condições socioeconômicas e trajetórias históricas de contribuição para a crise climática. É um elemento indispensável para a consolidação da justiça climática, ao orientar a distribuição equitativa das obrigações entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento.
Esse princípio parte do entendimento de que a responsabilidade pela proteção do clima é compartilhada, mas não homogênea. As nações industrializadas, cujo desenvolvimento esteve historicamente ligado à intensa emissão de gases de efeito estufa, possuem deveres ampliados de mitigação e de apoio financeiro e tecnológico. Já os países em desenvolvimento enfrentam limitações estruturais como restrições econômicas, maior vulnerabilidade ambiental e déficits de infraestrutura, que dificultam a adoção de medidas rigorosas sem cooperação internacional. Trazer esse princípio à tona é fundamental não apenas para o público que não acompanha de perto o processo, mas também para lembrar muitos países desenvolvidos de obrigações que frequentemente relativizam.
As negociações na COP exigem consenso, o que se torna especialmente desafiador em um cenário em que potências dependentes dos combustíveis fósseis, atuam intensamente para evitar qualquer menção a esse tema nos documentos finais. Ainda assim, realizar uma COP na Amazônia, em meio a um mundo marcado pela disputa entre Estados Unidos e China, por guerras, por estímulos à indústria bélica e pela crise do multilateralismo, já representou um esforço extraordinário.
A escolha de Belém do Pará, inicialmente vista por muitos como um equívoco logístico mostrou-se acertada. A simples chegada à cidade, sobrevoando a imensidão da floresta amazônica recortada por seus rios, oferece um choque de realidade à comunidade internacional. Apesar do calor intenso, a conferência transcorreu de forma mais eficiente do que o previsto, com alguns percalços, mas contornáveis.
Entre os principais resultados, destaca-se a Decisão Mutirão, documento central aprovado sob a condução da Presidência da COP30. Ela estabelece uma mobilização global contra a crise climática e lança o Acelerador Global de Implementação, iniciativa voluntária voltada a apoiar países na execução de suas NDCs e de seus Planos Nacionais de Adaptação. A esse conjunto soma-se a Missão Belém para 1,5°C, voltada a ampliar a ambição e a cooperação internacional em mitigação, investimentos e adaptação, além do compromisso de triplicar o financiamento para adaptação até 2035, reforçando a urgência de recursos para nações em desenvolvimento.
A COP30 também registrou avanços inéditos. Pela primeira vez, documentos centrais entre eles a própria Decisão Mutirão, mencionaram explicitamente povos afrodescendentes, e reconheceram a relevância dos direitos territoriais e dos conhecimentos tradicionais de povos indígenas e comunidades locais nas estratégias de mitigação de longo prazo. O Plano de Ação de Gênerofoi fortalecido, com ampliação do orçamento sensível ao gênero e valorização da liderança de mulheres indígenas, afrodescendentes e rurais.
No campo da Transição Justa, foi instituído um mecanismo que coloca pessoas e equidade no centro das políticas climáticas, promovendo maior cooperação internacional, assistência técnica e compartilhamento de capacidades, com o objetivo de garantir trajetórias de desenvolvimento inclusivas e sustentáveis.
Outro avanço relevante foi o acordo sobre os indicadores de adaptação, tema que gerou intensas disputas durante as negociações. O conjunto final — 59 indicadores voluntários — cobre áreas como água, segurança alimentar, saúde, ecossistemas, infraestrutura e meios de subsistência, incorporando ainda dimensões transversais de financiamento, tecnologia e capacitação. A medida representa um passo decisivo para monitorar o progresso em direção ao Objetivo Global de Adaptação (GGA).
Apesar do compromisso anunciado pelo presidente da República de que a COP30 seria guiada pela ciência, sendo chamada de a “COP da verdade”, não houve consenso para adotar o Mapa do Caminho para o abandono dos combustíveis fósseis, mesmo diante das evidências científicas sobre a proximidade do ponto de não retorno. A ausência de menção explícita à eliminação dos fósseis nos documentos finais frustrou expectativas. Ainda assim, o simples fato de o tema ter sido colocado no centro das discussões, incluindo a Cúpula dos Líderes mesmo antes da abertura oficial da conferência, gerou um movimento inédito: 80 países aderiram rapidamente ao Mapa. Sob liderança da Colômbia, uma conferência específica sobre o assunto está sendo planejada, demonstrando que, mesmo fora dos textos oficiais, a pressão dos territórios e da sociedade civil pode ampliar a ambição climática e influenciar futuros acordos.
A Agenda de Ação foi outro destaque, com 117 iniciativas e mecanismos lançados. Entre eles, o TFFF (Fundo Florestas Tropicais para Sempre), que já reúne US$ 6 bilhões destinados à manutenção das florestas em pé. Embora ainda esteja longe da meta de US$ 125 bilhões, o fundo foi o grande destaque da COP30.
A questão das Sinergias entre as Convenções de Clima, Diversidade Biológica e Desertificação foi amplamente discutida e trazidas diversas iniciativas, porém, é preciso que haja governança para que seja uma realidade, mas já houve uma evolução, a criação de um Grupo de Trabalho como resultado dessa conferência.
Mesmo diante de algumas decepções, diante da urgência de tomadas de decisões, é preciso lembrar que a COP é um processo que culmina em um evento anual, mas as discussões sobre todos os temas aqui colocados vêm sendo construídas ao longo dos anos entre governos e sociedade civil e terão continuidade. A COP30 mobilizou o país e o mundo em torno da agenda climática, ampliou o debate público e reuniu mais de 42 mil participantes de 195 países. Embora as negociações sigam travando na questão do financiamento, tema profundamente influenciado por conflitos geopolíticos e assimetrias econômicas, persiste a preocupação de que países desenvolvidos, por vezes, “esqueçam” o RCMD, base normativa do regime climático. Ainda assim, mesmo diante do questionamento sobre a efetividade dessas conferências, estas permanecem sendo o principal instrumento multilateral para enfrentar a crise climática. Imperfeitas, lentas e repletas de tensões, elas continuam sendo o melhor espaço disponível para construir soluções globais. Ruim com elas mas, sem elas, o que teríamos? Seguimos!