O Marco Global da Biodiversidade, documento final resultado da COP15, realizada em Montreal (Canadá), de 7 a 19 de dezembro, foi finalizado e aprovado por representantes de 188 governos, participantes da CDB – Convenção Sobre a Diversidade Biológica, da ONU. O acordo aprova medidas para deter a perda contínua da biodiversidade terrestre e marinha e colocar a humanidade na direção de uma relação sustentável com a natureza, com indicadores claros para medir o progresso. São quatro objetivos e 23 metas aprovadas neste novo marco global da biodiversidade pós 2020. Conheça todas as metas aqui.
O IPÊ participou pela primeira vez do evento como organização observadora e pôde contribuir com algumas discussões de questões prioritárias como financiamento, proteção de ecossistemas, restauração, agroecologia, acesso a recursos genéticos e participação social de populações indígenas e comunidades locais. Para além desta agenda, o Instituto participou de discussões sobre a implementação da bioeconomia como uma estratégia de conservação da biodiversidade e manutenção do conhecimento tradicional
“Foram dias importantes de debates e pudemos acompanhar de perto as negociações que influenciam e impactam as diretrizes da conservação da biodiversidade. Um ponto crucial foi a questão de financiamento, muito difícil de ser desdobrada”, afirma Simone Tenório, pesquisadora do IPÊ e coordenadora de Políticas Públicas e desenvolvimento territorial do projeto Semeando Água, que esteve presente no evento junto com Cristina Tófoli também pesquisadora e coordenadora de projetos.
As discussões sobre mobilização de recursos para a conservação da biodiversidade foram um dos temas mais quentes da conferência. Países desenvolvidos que defendiam uma posição pouco ambiciosa e o Brasil e outros países em desenvolvimento fizeram a diferença ao se retirarem da mesa de negociação como forma de pressão para que houvesse uma nova posição Ao final, todos os países partes da CDB concordaram em aumentar os fluxos financeiros internacionais de países desenvolvidos para países em desenvolvimento, em particular países menos desenvolvidos, pequenos Estados insulares em desenvolvimento e países com economias em transição, para pelo menos US$ 20 bilhões por ano até 2025 e pelo menos US$ 30 bilhões por ano até 2030. Os valores dedicados a investimentos em países em desenvolvimento ficaram em US$ 30 bilhões, muito abaixo do esperado pelos países do sul global.
Além disso, foi acordado um compromisso dos governos de eliminar os subsídios prejudiciais à natureza e de aumentar progressivamente o nível de recursos financeiros de todas as fontes até 2030, mobilizando pelo menos 200 bilhões de dólares por ano. A iniciativa privada já definiu algumas metas de doações, inclusive.
Dentre as metas acordadas, algumas chamam atenção, como a Meta 3 (chamada 30×30), considerada uma das mais importantes, que trata da proteção de 30% das terras, oceanos, áreas costeiras e águas continentais da Terra. “Acreditamos que essa meta poderia ser mais ambiciosa, olhando para o território brasileiro que é tão vasto e um dos mais biodiversos do mundo. Dentro dessa porcentagem, corre-se o risco de se convencionar que o país já protege o suficiente, o que não é verdade”, continua Simone.
Ainda dentro dessa meta, uma conquista da COP15 foi o reconhecimento dos territórios indígenas como importantes e parte da solução para a conservação, após grandes debates e pressão de alguns representantes presentes no evento. União Europeia tentou vetar essa inclusão no documento global. Na meta 3, o documento aponta a necessidade da conservação da biodiversidade “reconhecendo territórios indígenas e tradicionais, quando aplicável”.
“Apesar disso, os territórios indígenas e tradicionais apenas foram reconhecidos, mas não incluídos, como negociavam os representantes de populações indígenas e comunidades locais . O mesmo ocorre com relação aos direitos. É necessário estabelecer alguns mecanismos para uma participação efetiva dessas populações na conservação da biodiversidade e que eles tenham esses direitos assegurados”, alerta Cristina Tófoli, coordenadora de projetos do IPÊ.
Cristina ressalta ainda que já existem dados científicos que comprovam que Terras Indígenas são uma das que mais conservam biodiversidade no planeta e que a questão dos direitos de uso da biodiversidade e do território, também precisa de monitoramento. “A participação social efetiva na gestão de unidades de conservação (ou áreas protegidas) e manejo de recursos naturais da sociobiodiversidade promove a conservação da biodiversidade, além de valorizar os saberes e culturas locais e seus direitos. Com relação à COP15, é necessário aproveitar esse caminho aberto pelo documento para realizar mobilização social e capacitação sobre direitos junto com as populações indígenas e comunidades locais”, afirma ela.
Apesar desses pontos de atenção, existem metas que, na avaliação das pesquisadoras, foram bem acordadas, como a Meta 10 (sobre agricultura), que inseriu diferentes formas de práticas amigáveis para a biodiversidade nos processos produtivos. Agroecologia, uma das estratégias usadas pelo IPÊ na manutenção e restauração de ecossistemas, foi apontada como uma solução. “Ela também é um caminho para estabelecimento de atividades de bioeconomia que podem fortalecer pequenos e médios produtores em áreas prioritárias como a Mata Atlântica, além de ser uma forma de melhorar o uso do solo, restabelecer serviços ecossistêmicos, conservar a biodiversidade e demonstrar a importância das parcerias com os produtores rurais como protagonistas da conservação.”, finaliza Simone.
Diante da grandeza desse acordo, e mesmo considerando que as metas foram tão ambiciosas como poderiam ter sido, a conferência teve uma ampla participação de diversos setores, como agências de financiamento, empresas, governos nacionais e subnacionais, além da sociedade civil representadas por várias instituições do terceiro setor, indígenas e comunidades locais, grupos de mulheres entre outros, além dos representantes das nações, reunidos e contribuindo com suas visões. A partir de agora, o foco deve ser a implementação dessas metas e o cumprimento desses compromissos. A conservação da biodiversidade é uma emergência, assim como a questão climática. O tempo é curto e as ação deve ser imediata e com a colaboração e compromisso de todos.