A criação de áreas protegidas está entre as principais medidas para a conservação da biodiversidade e dos diferentes modos de vida das comunidades tradicionais. No entanto, apesar dos avanços obtidos com o SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação que completou 22 anos em julho (18), ainda há um longo caminho que precisa ser trilhado para que unidades de conservação federais, estaduais e municipais cumpram seu papel.
Regularização fundiária, elaboração e implementação de planos de manejo, participação mais efetiva da sociedade – incluindo as comunidades locais na gestão – maior integração dessas áreas nos territórios onde estão inseridas e recursos humanos para apoiar a gestão são alguns dos desafios que persistem.
Segundo a publicação Parceria em Rede: uma estratégia de apoio à gestão de unidades de conservação e fortalecimento territoriallançada em julho em comemoração ao aniversário do SNUC, a proporção de servidores por unidade de conservação federal não acompanhou a criação das novas áreas. Em 35 anos, na prática, é como se houvesse redução de 50% no quadro dos servidores, em um cenário que já estava distante do ideal. Parceria em Rede é uma Série Técnica do projeto MOSUC – Motivação e Sucesso na Gestão de Unidades de Conservação que integra os Diálogos da Conservação do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e está disponível gratuitamente no site do IPÊ.
Em 1987, 722 servidores atuavam nas UCs federais, especificamente em 106 áreas protegidas, que somavam mais de 16 milhões de hectares, com média de 7 servidores por Unidade de Conservação ou ainda 1 funcionário para cerca de 23 mil hectares (o equivalente a 23 mil campos de futebol). Mais de três décadas depois, o número de UCs federais subiu para 334, o que é um bom sinal, protegendo aproximadamente 171 milhões de hectares. No entanto, o quadro de pessoal não acompanhou esse crescimento.
Dados do Painel Dinâmico de Informações do ICMBio, até outubro de 2020, revelam que o número de servidores federais em exercício em UCs e nos Núcleos de Gestão Integradas (NGIs) era de 1.029. Na prática são 3,08 servidores por Unidade de Conservação em 2020, ou ainda 1 funcionário para 166 mil hectares. O déficit de pessoal não é uma realidade exclusiva da esfera federal, ela também está presente nas unidades de conservação estaduais e municipais.
A equipe das Soluções Integradas do IPÊ analisou dados gerados pelo relatório do TCU – Tribunal de Contas da União, lançado em 2021, sobre 134 Unidades de Conservação de Uso Sustentável da Amazônia – entre federais e estaduais (RESEX, RDS, FLONAs e FLOTAs) onde existem comunidades que vivem ou dependem de seus recursos naturais. Destas, apenas 31 foram avaliadas com recursos humanos compatíveis com as atividades essenciais realizadas. Seis sequer possuíam gestor.
Como forma de minimizar esse gargalo, o IPÊ realizou levantamento de experiências nacionais e internacionais com soluções para a ampliação de pessoal em UCs, em complemento às contratações públicas convencionais, como por exemplo ampliação das atribuições dos brigadistas, bolsistas de pesquisa, voluntariado e agente ambiental comunitário.
Parceria em Rede na prática
No entanto, o destaque da publicação fica por conta da estratégia Parceria em Rede – que dá nome à Série Técnica. A iniciativa desenvolvida pelo IPÊ em parceria com ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e 12 instituições locais foi implementada em 30 UCs na Amazônia, distribuídas por 14 territórios com foco no apoio à gestão de 2017 a 2019. A partir das 12 instituições locais, 54 colaboradores foram contratados para atuar em Unidades de Conservação nos estados de Roraima, Amazonas, Amapá, Pará, Mato Grosso, Rondônia e Acre.
A Série Técnica traz o passo a passo do modelo desde o envolvimento dos gestores, passando pela identificação das necessidades das unidades de conservação, elaboração dos editais, seleção de instituições locais parceiras e dos candidatos, implementação dos planos de trabalho, até a oficina de compartilhamento de experiência e avaliação do projeto.
Análise realizada no final do projeto nos 14 territórios demonstrou alto nível de execução dos planos de trabalho, com oito deles alcançando mais de 90% de cumprimento, três alcançando entre 76% e 80% e três alcançando entre 66% e 68%. Além disso, o processo de formação em que as instituições locais estiveram envolvidas as tornaram mais aptas para o desenvolvimento de futuros projetos em parceria com as unidades de conservação.
Segundo Angela Pellin, pesquisadora do IPÊ à frente do projeto MOSUC, a iniciativa reforçou que arranjos dessa natureza são viáveis. “O que vale tanto do ponto de vista jurídico, operacional, técnico e financeiro, além de todas as contribuições que agregam ao território, como a ampliação da efetividade de gestão das UCs, o fortalecimento das organizações locais, a geração de renda local, a formação profissional de moradores da região e a ampliação do diálogo e da participação social na gestão. O modelo de Parceria em Rede é uma real possibilidade para outras UCs da Amazônia, mas também para áreas de todo o território nacional. Com esse incremento de pessoal nas unidades, os gestores relataram que podiam se dedicar a questões mais estratégicas e menos operacionais da gestão das unidades, o que de fato, deveria ser o seu papel”.
Caminhos para implementação
A publicação pontua que para viabilizar iniciativas como essa é necessário contar com fontes de recursos adequadas e que possam estar vinculadas à gestão de UCs, como, por exemplo: compensação ambiental; conversão de multas; grandes projetos especiais e fundos, como o ARPA – Áreas Protegidas da Amazônia, o GEF – Fundo Mundial para o Ambiente, PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Fundo Amazônia; projetos da sociedade civil de longo prazo; cláusulas em contratos de concessão florestal ou de uso público; entre outras.
O IPÊ realizou a ação Parceria em Rede por meio do projeto MOSUC – Motivação e Sucesso na Gestão de Unidade de Conservação que tem apoio financeiro da Gordon and Betty Moore Foundation.
Ficha técnica
Parceria em Rede: uma estratégia de apoio à gestão de unidades de conservação e fortalecimento territorial Série Técnica Diálogos da Conservação IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas Angela Pellin, Fabiana Prado, Andrea Pellin, Leonardo Geluda, Erika Bechara, Simone Tenório, Claudio Valadares Padua 2022
Sobre o Mosuc
O projeto Motivação e Sucesso na Gestão de Unidades de Conservação é realizado desde 2012 pelo IPÊ, em parceria com o ICMBio e apoio da Gordon and Betty Moore Foundation. Uma frente-chave de atuação é a reestruturação nacional do Programa de Voluntariado do ICMBio, que que contou com o apoio do IPÊ de diversas formas, desde a comunicação visual até a reestruturação digital do cadastro de voluntários.
Desde 2012, o IPÊ apoia o fortalecimento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, incentivando o compartilhamento de boas práticas de gestão, fomentando arranjos que ampliem o capital humano para apoio à gestão, e construindo plataformas que disseminam informação e conhecimento sobre as UCs.