Se por um lado, os efeitos das mudanças climáticas colocam em risco a biodiversidade, por outro, a conservação dessa mesma biodiversidade é estratégia para enfrentar os desafios atuais. “Temos uma série de espécies da fauna e da flora que são altamente impactadas pelos efeitos das mudanças climáticas, mas que também são extremamente importantes para manutenção da biodiversidade, como parte das soluções”, destacou Patrícia Medici, coordenadora da INCAB – Iniciativa Nacional para Conservação da Anta Brasileira, projeto do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, que integrou o debate ao lado de Julia Shimbo, coordenadora científica da Rede MapBiomas e Ludmila Rattis, pesquisadora do IPAM – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. A mesa contou com mediação de Aldem Bourscheit, jornalista do O ECO.
Julia Shimbo trouxe a questão de mudança no uso da terra que responde por mais de 40% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil. “Tanto o uso da terra afeta o clima, mas também o clima afeta o uso da terra. Como que a biodiversidade responde a essas transformações que ocorrem hoje nos biomas brasileiros, com a questão da mudança climática?”
Ludmila Rattis destacou a importância de aproximar o agronegócio dessas agendas. “A gente precisa ter uma linha no TFFF que financia o desmatamento evitado dentro da propriedade rural. Porque senão, o produtor não vai abrir mão desse custo de oportunidade. Ele não vai renunciar da área que pode abrir, o que leva ao desmatamento é uma pressão de mercado por terra e por commodity”.
Na prática, o exemplo da jardineira da floresta
A anta-brasileira espécie pesquisada por Patrícia há quase 30 anos, por exemplo, mantém a biodiversidade de todos os habitats (Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal e Caatinga), onde ela se encontra, por conta da dispersão de grandes sementes. Ao mesmo tempo, que é um animal que precisa de água para termorregulação. “As temperaturas vão aumentar e esse é um animal de massa corporal gigante que precisa ir para água para baixar a temperatura corporal, que ela sozinha não consegue baixar. Então, com as questões de disponibilidade de água, como é que vai ser isso? Esse animal vai começar a ir para altitudes maiores em algumas regiões onde isso for possível? As consequências das mudanças climáticas serão muito particulares de espécie para espécie, será um caso a caso bem complexo”.
Agendas de clima e de biodiversidade
A necessidade de harmonizar as agendas das Convenções de Clima e Biodiversidade também foi tema de discussão no debate. “Biodiversidade é o que une mitigação e adaptação. Precisa colocar a biodiversidade como muito chave nas discussões sobre adaptação e mitigação, no mínimo”, pontuou Ludmila.
Existe um caminho de interação, mas ele precisa ser fortalecido. “Tivemos avanços em Cali, nas últimas convenções de biodiversidade. Muitas organizações que trabalham trabalhavam na agenda de clima estão indo para agenda da biodiversidade, assim como quem trabalha com biodiversidade não tem como não falar do clima, mas isso precisa ser mais forte”, reforçou Julia.
Patrícia compartilhou a participação em um evento pré-COP realizado em Campo Grande para coletar informações com pesquisadores sobre espécies. “Éramos todas mulheres, falamos da importância dos animais com os quais a gente trabalhava. Em determinado momento, o pessoal da comitiva pontuou: ‘A gente só estava olhando para o impacto, para a perda que as questões do clima têm na biodiversidade, mas a gente nunca tinha parado para pensar em como esses animais dos quais vocês estão falando (anta, tamanduá-bandeira, ariranha) podem ajudar no processo de reverter, de criar soluções.’ É isso, precisamos avançar muito nessa conexão entre clima e biodiversidade, nas duas faces: no impacto negativo e nas soluções a partir da biodiversidade”.