A Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária (CNA) anunciou recentemente que, dentro de cinco anos, o Brasil será o maior produtor de carne bovina do mundo, superando os Estados Unidos, país que ocupa o primeiro lugar no ranking atualmente. O Brasil tem mais de 212 milhões de cabeças de gado, em um mercado que movimenta cerca de R$167,5 bilhões por ano e produz 9,5 milhões de toneladas, sendo que 1,8 milhão exportadas para mais de 140 países e o restante para o mercado interno. Esse índice positivo para a economia, entretanto, é bastante preocupante do ponto de vista ambiental, já que a produção de carne bovina gera impactos significativos. Além do histórico de áreas desmatadas para a criação, existe o impacto no clima, por conta da emissão de gases de efeito estufa (GEE) originados de conversão e fertilização da terra para pastagem, produção de grãos para ração, transporte de animais, de esterco e gases da ruminação, produzidos pelos animais com destaque para a maior emissão o gás metano.
Com o desafio de transformar a produção pecuária em um negócio mais amigável para o planeta, Leonardo Resende, Mestre pela ESCAS/IPÊ, propõe estimular nas fazendas brasileiras a iniciativa que ele aplica na propriedade da família: a pecuária “neutra em metano entérico”. Em um sistema de silvipastoril (integraçao da pecuária com florestas), implementado há cerca de 8 anos na Fazenda Triqueda (MG), hoje, Resende já consegue neutralizar a principal fonte de GEE do sistema produtivo através do sequestro de gás carbônico equivalente (CO2 eq) realizado pelas árvores. Para a sua defesa de mestrado, inclusive, Resende mapeou a cadeia produtiva da carne e elaborou uma sugestão de protocolo a ser seguido para um selo de certificação de pecuária neutra em metano entérico.
A emissão do metano pelo gado ocorre, principalmente, pela fermentação no processo digestivo dos ruminantes, conhecido como metano entérico. O rúmen pode ser descrito como um “estomago primata” e que não se desenvolveu nas últimas eras. Para digerir o capim, o rúmen realiza uma reação química denominada metanogênese. A reação quebra a molécula do capim e libera o carboidrato necessário para nutrição dos animais e tem com resíduo a emissão do gás metano (CH4), que é 21 vezes mais nocivo a camada de ozônio que o gás carbônico (CO2).
“Hoje já existe um movimento no mercado e nos consumidores de que a pecuária pode ser diferente. Isso está alinhado às Convenções do Clima da ONU e com o plano do governo federal brasileiro da Agricultura de Baixo Carbono. Nesse contexto, direcionei minha pesquisa a fim de incentivar a adoção da integração da pecuária com as florestas plantadas renováveis. Esse é um sistema produtivo inteligente, capaz de conciliar aumento da lucratividade a pegada ecológica significativamente menor do que a pecuária extensiva convencional”, explica Resende.
Para escrever o produto final do seu mestrado “Certificação da neutralização do metano entérico na pecuária de corte: estudo de caso na fazenda Triqueda-MG”, Resende mediu o balanço de gases da emissão do metano entérico e o resgate de CO2 eq foi quantificado dentro da área de estudo. O resultado foi um saldo positivo.
“A taxa de retorno sobre o investimento também foi calculada e comparada com a média das fazendas pesquisadas pelo CEPEA (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada -ESALQ/USP), sendo que o sistema silvipastoril obteve um retorno de 25,43% ao ano frente a 2,55% do CEPEA. Do ponto de vista ambiental, ao tornar a terra mais produtiva, demandamos menos áreas para o agronegócio diminuindo pressão sobre os biomas mais intactos”, defende.
A pesquisa também identificou que o eucalipto plantado em 250 hectares no sistema de silvipastoril ajuda no uso racional dos recursos naturais e presta vários serviços ambientais, tais como: o bem-estar animal por meio do conforto térmico e a diminuição da temperatura dentro do sistema, a melhora na produtividade por hectare, a menor velocidade de escorrimento da água da chuva no solo, a conservação do solo, a redução da pressão nas matas nativas, entre outros. Atualmente, cada hectare de árvores plantadas na fazenda resgata em CO2 eq a quantia emitida por três cabeças de gado.
“O nosso gado emite cerca de 830 toneladas de CO2 eq por ano. Com as árvores (250 por hectare), nós neutralizamos 1.220 toneladas por ano, bem mais do que emitimos. Também com o sistema silvipastoril conseguimos ampliar em seis vezes a receita da fazenda. Se antes ganhávamos 700 reais por hectare ao ano, já conseguimos 4.000 reais por hectare ao ano. Isso sem ainda valorar os serviços ambientais, que certamente vão ampliar os ganhos econômicos e ambientais. A ideia é que a partir desse estudo, com as sugestões para a criação de um selo ‘carne neutra’, outras fazendas e frigoríficos queiram fazer parte desse movimento”, afirma Resende.
Assista a entrevista sobre o tema no Blog.
Parceria e expansão
Parte dos animais criados na fazenda Triqueda são manejados na Ecofarms – fazenda sustentável – e sua carne será comercializada a partir de agosto pela Gran Beef, empresa que possui a certificação da Rainforest Alliance e selo autodeclaratório de “carne neutra”. Inicialmente, cidades como Ribeirão Preto e arredores poderão ter acesso ao produto diferenciado. De acordo com Bruno Junqueira de Andrade, responsável pela Ecofarms e Gran Beef, o valor médio da carne neutra não é mais caro do que a carne produzida de forma tradicional, o que pode beneficiar a comercialização. Mas ele afirma que esse pode ser um diferencial importante no futuro, inclusive no preço e no tipo de corte, considerado “premium”.
“Serão 40 cabeças por mês inicialmente. Buscamos parcerias com restaurantes e mercados de produtos orgânicos ou gourmet, que valorizem esse trabalho. Mas a ideia é expandir para que outros frigoríficos no Brasil possam aplicar esse tipo de pecuária, totalmente possível e lucrativa. A Carne Neutra é mais que um produto, estamos plantando uma semente para estimular uma pecuária nacional mais sustentável”, afirma Bruno que, em parceria com Resende participa do movimento “Pecuária Neutra”